Cruella: o papel do figurino na criação da narrativa e universo dos filmes
- Mostra Revista
- 29 de jul. de 2021
- 20 min de leitura
Atualizado: 30 de jul. de 2021
Reportagem por: Maria Gabriela Pompilio
A moda é intrínseca à sociedade em uma dinâmica que envolve a produção de uma identidade cultural e a instrumentalização dos itens de vestuário enquanto meios de se comunicar através de narrativas visuais. É por meio dela que uma ordem social é interpretada e disseminada através da ação dos discursos imagéticos vigentes, bem como a propagação destes na mídia e sua instauração enquanto tendência. Um dos exemplos disso é a influência que a indústria do cinema tem na moda, relação que é retroalimentada.
As exibições cinematográficas por décadas disseminam a moda e influenciam as massas, na qual os figurinos e os estilos de vida se tornam sonho de consumo e transformam a maneira de agir do espectador.
O que as atrizes e atores vestiam e vestem no cinema, param nas vitrines das lojas e nas passarelas do dia-a-dia: as ruas. Exemplos disso são tendências em maquiagem, estética e beleza, como a tintura e corte de cabelo e a postura social. Figurinos como os que Nicole Kidman desfila no musical Moulin Rouge (2001), roupas justas e capas pretas de Matrix (1999) e a funcionalidade dos acessórios da arqueóloga Lara Croft (Angelina Jolie) em Tomb Raider (2001) são exemplos de figurinos tornados tendências pelo cinema, que invadiram o universo da moda e estimularam o consumo e desenvolvimento de coleções inspiradas em suas estéticas.
A relação entre figurino e moda, enquanto elemento que constrói a personagem, pode servir de objeto de análise para entendermos o significado da moda no cotidiano e na história, em consequência das modificações de seu significado econômico, cultural e social. Sob esse prisma, a relação mencionada acima pode ser analisada a partir de parâmetros psicológicos e socioculturais da época, proporcionando uma visão sobre as peças representadas nas produções audiovisuais como símbolo de comportamentos emergentes: o comportamento do consumidor, em especial das mulheres.
Ao contrário de outros filósofos e sociólogos, Lipovetsky observa que os comportamentos priorizam a busca pela autonomia e liberdade, instituída na democracia e na expressão individual. Para o autor, a moda passa a ser explicada como um dispositivo social, construindo e afirmando um comportamento pós-moderno padronizado, constituindo-se – enquanto linguagem – num fator de interação com o mundo, e, dessa forma, correspondendo aos princípios de liberdade, individualismo e igualdade da modernidade, transformando-se em dispositivo de expressão da identificação dos sujeitos com seus grupos de adesão (LIPOVETSKY, 1989).
Logo, é fundamental identificar os processos midiáticos que criam estereótipos, e consequentemente influenciam a moda e sociedade, bem como é mandatório reconhecer que a mídia não pode ignorar comportamentos emergentes fundamentados na construção de novas percepções diante da vida, natureza e relações individuais e coletivas. Sob esse prisma, o conceito de reinvenção e expressão individual está constantemente presente no decorrer do próximo filme a ser analisado.
Cruella: uma análise temática e de moda
Ambientada em Londres durante a revolução punk da década de 1970, a releitura do clássico da Disney relata a história de Estella (Emma Stone), uma criativa vigarista determinada a encontrar seu lugar no mundo da moda através de seus designs. Junto de Jasper e Horace, uma dupla de ladrões, constrói uma vida para si nas ruas da cidade, até que um dia o talento de Estella chama atenção da Baronesa Von Hellmann (Emma Thompson), ícone fashion e referência da época.
Enquanto a natureza original de Cruella em "101 Dálmatas” (1996) marcava uma personalidade extremamente sádica e, de certa forma, cruelmente cômica, sua versão de 2021 parte de uma trajetória de traumas de infância que desencadeiam suas ações de vilania. Apesar de que inicialmente seja visível sua inclinação para malignidade, à despeito dos traumas posteriores, o filme não intenta utilizar tais eventos como justificativa para os atos de Cruella.
Desde a infância, a personagem mergulha na estética punk DIY londrino, geniosa, agressiva e avessa às regras e padrões sociais. Aliás, tanto criança quanto adulta, Cruella possui claras semelhanças com Tonya Harding de Margot Robbie — e é proposital - tanto em suas nuances quanto em como ambas protagonistas se manifestam para o mundo com agressividade através do uso da arte e da comunicação visual enquanto protesto. Esta semelhança faz sentido quando vamos mais a fundo e notamos que as duas produções foram direcionadas pelo mesmo cineasta: Craig Gillespie.
Com a moda sendo o foco da produção, os roteiristas Tony McNamara e Dana Fox junto a figurinista Jenny Beavan, expõem na construção de Cruella o transtorno maníaco-depressivo de Yves Saint Laurent , referência ao documentário “O Louco de Amor de Yves Saint Laurent”, no qual é representada a trajetória do estilista sob a visão de seu companheiro Pierre Bergé. Outra grande inspiração para construção do arco da personagem em relação à suas angústias enquanto criativa foi o tormento de Alexander Mcqueen em sua tentativa de quebrar as regras da costura clássica.
O embate entre a personificação do tradicionalismo da alta costura na Baronesa, com referências a Dior e Givenchy, que imageticamente surge como a estética do New Look com tecidos estruturados e formatos que esculpem o corpo, versus a moda de ruptura e excentricidade de Cruella, que tangencia o movimento punk e busca referência em Vivienne Westwood, é a esfera da qual a trama decorre. As cores, os tecidos e os desenhos distinguem o estado de espírito de Estella e, de forma ambivalente, a aproximam e distanciam da Baronesa.
Com o senso de humor obscuro, a língua afiada e o comportamento impulsivo, Cruella possui tanta coerência com o cenário do longa-metragem que há uma certa dificuldade em não relacionar a personagem como símbolo da identidade da metrópole em um momento onde Londres se tornava polo cultural e de moda durante o surgimento do movimento punk.

Trecho do filme Cruella: à esquerda a personagem Cruella (Emma Stone), e à direita a Baronesa (Emma Thompson).
A recepção de Cruella demonstra que o novo não apenas assusta e encanta, mas que não passa despercebido. A entrada da vilã no baile Black & White, evento tradicional da Baronesa, é marcado pelo casaco branco que após ser incendiado, revela um vestido vermelho da coleção da anfitriã. É a sequência de cenas deste trecho que culminam no ponto de mudança de narrativa do filme, que vai redirecionar o percurso da trama em decorrência de lembranças do seu passado. A narrativa coroa o simbolismo do figurino, e vice-versa.
No decorrer do desenvolvimento da personagem, os figurinos vão evoluindo conforme a sua personalidade se torna mais segura nos embates com a rival, uma mudança de personalidade equivalente à um Coringa (Joker) do universo fashion. Confira, abaixo, uma seleção dos looks marcantes do filme, e seu simbolismo dentro da narrativa.
Look 01: Saia & casaco de couro. A estética punk-rock que irá definir seu estilo em contraponto ao classicismo da baronesa.
Look 02: "Biker"; num conceito de entrada Lady Gaga e estilo Ziggy Stardust, a jaqueta de couro com calça de paetês dourados e nos olhos. No melhor estilo Blade Runner a maquiagem com as palavras “the future”.
Look 03: Garbage Truck Dress. Parece restos de roupas, que na realidade, é parte da longuíssima saia de um modelo corseletado com aplicação de um tecido com estampa de jornal.
Com 12 metros de cauda, o vestido é composto de jornais e retalhos de vestidos de coleções passadas da Baronesa. À primeira vista, partes do vestido usado por Cruella na caçamba de um caminhão de lixo relembram a icônica peça criada por Elsa Schiaparelli em 1935, em que a estilista italiana criou uma estampa a partir de recortes de jornais que a elogiavam.
Esse aspecto sustentável da roupa criada pela personagem, é a alma do que se entende como grande revolução da indústria. Seu epicentro criativo está exatamente em Londres, sede de "estilistas verdes" como Stella McCartney.
“Isso parecia algo apropriadamente agressivo para Cruella fazer", disse o diretor Craig Gillespie ao Estadão. "Eu queria homenagear essa coisa moderna de reusar, refazer e reformar coisas", completou Jenny Beavan, figurinista trecho do filme Cruella.

Look 04: Cascade Petals Dress.
Depois que se ‘capangas’ prendem a Baronesa em seu carro, Cruella sobre no teto usando uma saia de organza vermelha, preta e púrpura aplicadas com 5.060 pétalas costuradas a mão do mesmo tecido, e feito de roupas compradas em um brechó. Inspirado em John Galliano.

Look 05: Butterfly Dress
Megaestruturado e incrustado com pedras douradas, o modelo é a do auge ao classicismo da alta costura de Dio. Chamado de “vestido-ícone", desenhado por Cruella e roubado pela chefe, representa uma guinada na trama e nada mais é do que uma versão asseada do conjunto escamoso criado por Alexander McQueen para seu último desfile, de verão 2010, e usado por Lady Gaga no clipe da música “Bad Romance”.

Look 06: Dalmatian Coat.
O filme não poderia se esquecer do detalhe mais aterrorizante da animação (e da versão da história com Glenn Close em 1996): o casaco com estampa de dálmatas. A peça representa apreensão & discórdia. O padrão de dálmatas foi impresso em um tecido feito de pele falsa e veludo.

Look 07: Black Dress
A personagem usa um modelo preto geométrico com decote em V sobreposto com um bolero com manga estruturada usado com luvas. Este visual é uma referência ao figurino da própria personagem Cruella, na versão de Glenn Close de1996.
O visual gótico apocalíptico assumido por Cruella na última fase de sua metamorfose, parece saído dos desfiles recentes do georgiano Demna Gvasalia na grife Balenciaga. Destila o vanguardismo inglês, numa paleta de cores contrastantes de preto, vermelho e branco para compor o marcante cabelo bicolor de Cruella de Vil, em 47 dos 277 figurinos criados.
O Figurino Cinematográfico e o Papel do Figurinista
De acordo com Palomino (2003), durante as décadas de 1940 e 1950, há um grande aumento do público que frequenta o cinema, e em decorrência disto, o estilo dos personagens dos filmes de Hollywood passa a influenciar mais significativamente a moda e o comportamento. Dessa forma, com o advento do cinema, o território da criação de discursos de moda através da imagem foi dividido com as indústrias cinematográficas, mudança impactante, visto que até a década de 1950 o monopólio de poder em “ditar moda” era de Paris.
A transição da alta-costura, que ditava a moda para o restante do mundo e se transformava em patrimônio, para a consolidação do prêt-à-porter foi acompanhada pelo cinema, visto que renomados estilistas assinaram diversos figurinos que vieram a ser conhecidos mundialmente e são facilmente identificados, como aquele desenvolvido Bonequinha de Luxo (1961), por exemplo.
O figurino de um personagem é tão importante em um filme ou série quanto a escalação de um ator, porque é através dele que o espectador irá identificar diversos signos importantes para a narrativa e compreender a atmosfera predominante do filme, tendo a mesma função básica dos cenários de certa forma, no qual, ambos estão entrelaçados na representação de contextos sociais e históricos de uma produção e na construção dramaticidade e estética evocadas.
Ao assistirmos o filme Sabrina (1954), por exemplo, conseguimos entender um pouco sobre o período que se estava vivendo na época, o pós guerra mundial e a ascensão do New Look Dior. Assim como Sabrina, o filme Maria Antonieta (2005), que conta a história da rainha austríaca, perdura até hoje enquanto inspiração para editoriais e coleções de moda, como no desfile organizado por Karl Lagerfeld, no ano de 2012, no palácio de Versalhes, em Paris.
Sob conceitos estéticos e referências culturais e artísticas, o figurino comunica utilizando uma linguagem não verbal, o estilo, a identidade, e o comportamento social do indivíduo que o porta determinada veste em um certo contexto sócio-histórico-cultural. Desta forma, é intrínseco ao figurinista o processo de pesquisa para criar, interpretar e projetar a construção dos figurinos, da estética de estilo e signos culturais da época e da caracterização dos personagens.
Uma das figurinistas mais reconhecidas da história do cinema foi Edith Head, que assinou os figurinos mais icônicos de Hollywood, e teve suas criações sendo usadas por atrizes como Grace Kelly, Audrey Hepburn e Elizabeth Taylor. Sendo considerada a rainha dos figurinos, serviu de inspiração para a criação da personagem Edna Moda do filme Os Incríveis.

À esquerda, a personagem de animação Edna Moda, Os Incríveis (2004). À direita, a figurinista Edith Head.
Em 1957, Edith Head ficou responsável pelo figurino do filme "A Princesa e o Plebeu", em que Audrey Hepburn estreou como protagonista. Por causa dos padrões de beleza impostos na época, de loiras curvilíneas como Marilyn Monroe, a figurinista tentou esconder o que era considerado como imperfeição na atriz, como seu pescoço comprido, busto pequeno e quadril estreito. Entretanto, Audrey se destacava por incorporar esse novo visual feminino, e chamou atenção de Hubert Givenchy, o qual ficou mundialmente famoso após ter sido convidado por Edith Head para criar os figurinos de Audrey Hepburn para o filme Sabrina (1954).
Desde então, o Hubert criou os figurinos da atriz em diversos outros filmes como Cinderela em Paris (1957), Bonequinha de Luxo (1961) e Charada (1963). Givenchy acompanhou a atriz com seus figurinos por toda sua carreira.
A influência dos filmes invadiu não apenas os guarda-roupas das mulheres, determinando novos padrões da imagem feminina na sociedade, como do mesmo modo, conquistou admiradores homens com a atuação de Ralph Lauren, na criação de figurinos para ‘O grande Gatsby’ (1974) e ‘Noivo Neurótico, Noiva Nervosa’, de Woody Allen (1977), que através de roupas desestruturadas e amplas, deram um visual irreverente ao cenário de moda masculina.
A Moda no Cinema
A moda utiliza o cinema como uma de suas esferas de disseminação, sendo além de comunicação visual, um reflexo das narrativas sociais e culturais que se desenvolveram gradualmente durante as décadas, como a revolução que a minissaia gerou na sociedade; as influências da Dior e da Balenciaga na moda usual dos anos 1950, é o consumo em larga escala iniciado pelo prêt-à-porter, entre outras manifestações.
Por meio dos filmes, a moda continua sendo reproduzida enquanto produto cultural e suas referências englobam, além das roupas e comportamentos, os cânones de beleza impostos pelo sistema de arte e entretenimento.
Cinderela em Paris ( 1957)
“Banish the black, burn the blue, and bury the beige. From now on, girls, think pink!”

O cinema americano, nos anos de 1940, sofreu uma significativa baixa em suas produções por conta da Segunda Guerra Mundial e da ascensão do cinema na Europa. Na década seguinte, houve um período de reestruturação em que os cineastas tinham como objetivo reerguer a indústria, investindo nas estrelas de cinema como ponto de atração e criadores de tendências de moda e comportamento.
Audrey Hepburn foi uma das principais protagonistas das décadas de 1950 e 1960 desde movimento, com seu padrão estético inverso ao da época, de formas voluptuosas e longilíneas, sua atuação no cinema trouxe mudanças significativas no universo feminino e ideais de beleza que a consolidou enquanto ícone de moda.
Cinderela em Paris, acima de tudo, fala sobre a indústria da moda, e homenageia o trabalho do fotógrafo de moda, Dick Avery (Fred Astaire), além de ressaltar a relevância de uma editora de moda, Maggie Prescott (Kay Thompson).
Na trama, a revista Quality busca se reinventar com um novo rosto para se transformar e trazer resultados à revista em relação ao mundo da moda. A editora-chefe, Maggie Prescott, busca alguém que seja bonita e intelectual, uma imagem que as modelos não estão conseguindo alcançar. O fotógrafo Dick Avery, então, encontra Jo Stockton - interpretada por Audrey Hepburn - sua modelo perfeita, uma moça intelectual dos anos 50 que trabalha numa livraria. Nesse contexto, a garota simples se torna símbolo de elegância e ícone da moda.
Os figurinos do cinema são formas de distinção entre pessoas e grupos dentro da esfera social, com cada personagem adquirindo destaque dentro de uma cena através do signo que o veste.. Em Cinderela em Paris, o arco de desenvolvimento de Jo se dá pelas transformações em seu figurino ao longo do filme.
De início vemos Jo usando roupas com cores neutras e formas simples e antiquadas, porém ao ir pra Paris, vemos a personagem conhecedora das últimas modas entre os intelectuais da época. A exemplo, em uma cena pontual à vemos ir para um bar vestindo-se como uma autêntica beatnik, com calça cigarrete, blusa de gola alta e mocassim, todos pretos, acompanhados de meia branca.

Trechos e bastidores do filme Cinderela em Paris.
Após a sua transformação em modelo profissional, Jo veste o tom de rosa ditado pela revista, mostrando ainda manipulada por esse novo mundo em que adentra.

Em seguida Dick e ela preparam o editorial para a revista no qual todas as roupas vestidas por Audrey são criações de Hubert Givenchy, e mostram uma variedade de criações da alta-costura refletindo a moda da época.
Trechos do filme Cinderela em Paris.
Porém, o arco de desenvolvimento da personagem só termina com a confirmação do romance até então delineado, após desfilar trajando um vestido de noiva. trecho do filme Cinderela em Paris A partir de seus figurinos para Audrey Hepburn, Givenchy teve sua ascensão no mundo da moda, imortalizando seu nome e seu estilo até os dias de hoje, sendo o vestido de Bonequinha de Luxo a sua maior referência.
Bonequinha de Luxo ( 1961)

O cinema se transformou em uma vitrine ao longo dos anos, em que se cristaliza a moda através dos figurinos, facilmente perceptível durante o fenômeno do filme Bonequinha de Luxo (1961).
A imagem de Audrey Hepburn ficou marcada na história do cinema como a icônica acompanhante Holly Golightly, trajando um vestido tubinho preto, colares de pérolas falsas e grandes óculos escuros, em frente à joalheria da Tiffany.
O filme foi baseado em um romance do escritor Truman Capote, cuja história se situava em Nova York, mostrando o cotidiano da garota de programa que almeja ascender socialmente por intermédio de um rico fazendeiro brasileiro, mas que acaba se apaixonando pelo jovem Paul Varjak.
Audrey usava em seu figurino roupas leves e claras para referenciar o verão da capital francesa que a influenciava, com jaquetas curtas com mangas sete-oitavos, regatas brancas, vestido reto laranja, camisola azul e chapéu de palha.
O figurino era simples e de fácil reprodução pelas jovens espectadoras e, rapidamente, foi comercializado em grandes lojas de departamentos. Esse fenômeno traduz o elo em comum da moda e do cinema, de vender sonhos e realidades alternativas. Dessa forma, o cinema deixa de ser apenas uma referência de moda e comportamento para se tornar uma grande ferramenta de venda de moda no mundo.
Trechos do filme Bonequinha de Luxo.
Das Ruas para o Cinema. Do Cinema para as Ruas.

Os anos 60 foi uma década de grande influência na moda, no qual houve um resgate da feminilidade; um reflexo da explosão do amor livre, como política de transformação do mundo; desenvolvimento do futurismo instigado pelo movimento hippie e a corrida espacial, com roupas de corte duro e geométrico; além do surgimento do unissex com o jeans e camisa sem gola.

Com uma moda única e que até os dias atuais impacta as tendências contemporâneas, o estilo da década é um reflexo de uma época que ainda trazia fragmentos dos modelos ajustados e certinhos dos anos 50, à medida que gradativamente se despia das camadas de roupa, entregando visuais mais despojados e irreverentes.
Os anos 60 foram marcados pela liberdade de expressão, principalmente das mulheres, as quais portavam uma nova postura subversiva em meio a uma sociedade machista. Como forma de de protesto a favor do movimento feminista e a liberdade sexual, há o reinado das minissaias, tendência popularizada pelos designers como Yves Saint Laurent e Pierre Cardin.
No cinema, Brigitte Bardot, marcava a moda com suas calças justas, seios displicentemente definidos introduziram um estilo que já traduziu a silhueta idealizada por alguns estilistas. A modelo britânica Twiggy, foi outro grande ícone de estilo na moda, revolucionando o cenário dos anos 60 por incentivar as meninas daquela geração a cortarem seus cabelos mais curtos e adquirirem um jeito mais tomboyish.
A partir da criação do Le Smoking, por Yves Saint Laurent, a noção de “feminino” foi subvertida pela adoção de um item de vestuário tipicamente associado ao “masculino”, o tuxedo, no guarda-roupa de mulheres pelo mundo todo.
Smoking feminino, peça marcante na carreira de Yves Saint Laurent.
A moda passou a ser usada mais claramente como forma de expressão política com a revolução do movimento hippie, fortemente influenciado por bandas como The Beatles, The Door e The Who. A essência dessa figura de estilo é o reflexo do espírito livre no vestuário através das roupas, e, em decorrência disso, surgiram diversas peças com cortes estampas coloridas, livres e criativas.
Em função do auge das drogas que se passavam nos anos 60, do consumo do LSD e do desejo de liberdade, criações, como jeans boca de sino, os maxi vestidos, saias, camisetas com estampas psicodélicas e tiaras surgiram.

No final da década, em 1969, ocorre o Festival de Woodstock, evento que carrega as tendências do para uma década de incertezas. A temática espacial desaparece, abrindo a nova fase da moda, chamada de romântica, com estampas florais, anáguas rendadas e chapéus de palha adornados com flores do campo.
Hair ( 1979)

Associar o movimento hippie à música era uma solução óbvia, mas que garantiu ao filme realizar suas sequências musicais sem fugir da realidade. A loucura e a liberdade de expressão, normalmente associadas aos hippies, permitiam que os personagens saíssem cantando e dançando pelas ruas sem que isso fosse considerado irreal. As fantasias e alucinações eram justificadas pelo uso de drogas (...) (SOUZA, 2005)
Na produção de Hair (1978), música e coreografia se fundem com o enredo do filme de forma a abordar temas relativos à juventude: o movimento Hippie, as drogas e a guerra do Vietnã. O filme, teve em seu figurino uma reconstituição de época, apesar da pouca distância cronológica.
A ideologia hippie foi transposta para o musical através da composição do figurino do núcleo dos personagens hippies, por meio de enfeites e cores nas calças de boca de sino, batas, estampas florais e étnicas, franjas, artigos em couro, flores nos cabelos, xales estampados, cabelos à moda “blackpower”, longos e desalinhados, em um clima de liberdade, bem advento dessa cultura. A protagonista, entretanto, por não pertencer ao grupo vestia-se de forma clássica, com acessórios elegantes.
Trechos do filme Hair.
No musical, a reconstituição do figurino influenciou a moda da época e as diferenças dos trajes evidência, dentro da trama do enredo, o distanciamento existente entre os personagens pertencentes a classes sociais distintas.
Ainda assim, a década de 70 não foi apenas marcada pelos hippies, visto que muitos estilos ligados à música como a disco, o black power, o glam rock, o funk, e o punk.
Do mesmo jeito que todos os movimentos da contracultura, o punk fugia dos padrões impostos pela sociedade através da expressão visual. Seus integrantes mostraram revolta social através de cabelos espetados e coloridos, roupas velhas que simbolizavam o anticonsumismo e jaquetas com frases de rejeição às injustiças de um estado repressor.
A estética do punk era extravagante e o seu visual subversivo, com imagens e slogans provocativos em camisetas, assim como jeans rasgados e jaquetas carregadas de tachas.
Imagem 01: retirada da revista Marie Claire. | Imagem 02: Punks em viagem de trem.
Inicialmente, o movimento figurava às margens da sociedade com o intuito de chocá-la por meio da aparência e estética, entretanto, no decorrer da década houve a passagem das roupas e penteados punks da rua para a alta costura, a partir do momento que a indústria de moda toma esses discursos subversivos como referencial de criação, esvaziando e massificando o estilo, fazendo com que estes passem a serem visíveis em desfiles de grandes grifes e serem adotados por artistas como David Bowie, Madonna e Cyndi Lauper.
Cyndi Lauper, Madonna e David Bowie, respectivamente, com estilos influenciados pelo punk.
A Moda como Elemento de Pertencimento
O gosto por um evento cultural, com maior concentração no campo da moda, por alguma roupa, uma maneira de se vestir ou pentear desenvolvida e passada através de gerações, são práticas classificadas e reproduzidas socialmente. Em continuidade, o vestuário desempenha uma função de representação e distinção perante aos demais, aceitação aos semelhantes, indo além do simples uso, mas carregando valor simbólico que essa representação estética espelha na realidade social. Adentra o conceito de “tribos de moda” na sociedade.
O Clube dos Cinco (1985)

"Querido Sr. Vernon, nós aceitamos o fato de que tivemos que sacrificar um sábado inteiro na detenção por seja lá o que foi que fizemos de errado. Mas achamos que você é louco por nos fazer escrever um ensaio contando-lhe quem nós pensamos que somos. Você nos vê como quer nos ver – nos termos mais simples, nas definições mais convenientes. Mas o que nós descobrimos em cada um de nós é um cdf, um atleta, um caso perdido, uma princesa e um criminoso. Isso responde sua pergunta? Sinceramente, o Clube dos Cinco."
Os anos 80 foram uma época moderna e inovadora, por introduzir a versatilidade e a ousadia no cenário da moda. Surgia um hibridismo cultural, a era do pluralismo e da fragmentação, uma vez que o indivíduo passou a ter mais consciência de sua imagem, na qual o vestuário, sob o prisma do valor produzido pela moda, passou a representar significativamente um elemento para cada o indivíduo e grupo social. Passa a ser perceptível o movimento de diferenciação ou homogeneização da aparência.
O filme O Clube dos Cinco aborda essa temática de modo que as roupas usadas pelos personagens dialogam com os próprios estereótipos que eles relatam vivenciar e reproduzir.
Suas aparências transmitem a imagem que é entendida pelos adultos e, em processo reverso, alimentada por essas expectativas.
Em virtude de terem cometido pequenos delitos, cinco adolescentes são confinados no colégio em um sábado, com a tarefa de escrever uma redação de mil palavras sobre o que pensam de si mesmos. Apesar de serem pessoas completamente diferentes, enquanto o dia transcorre eles passam a aceitar uns aos outros, fazem várias confissões e se compreendem, apesar de suas diferenças.
Os figurinos ditaram tendências como as jaquetas jeans - que possui forte influência da década de 80 -, a camisa xadrez, o maxi tricô, a calça de cintura alta e os óculos ray ban.
Brian Johnson, o estudioso, se veste de maneira bastante simples e básica, como se para as roupas tivessem apenas a função de cobrir o corpo. Usa calça cáqui de cintura alta, já um pouco curta, moletom verde e, por cima, uma jaqueta marrom, todos sem nenhum detalhe ou adereço; eis a estética do normcore, a tendência de moda despretensiosa e centralizada no conforto e estilo normal, pré datada 30 anos antes.
Andrew Clark escancara o esporte em todas as partes do filme. Ao chegar, está vestindo uma jaqueta do time do colégio. Por baixo, encontra-se um moletom com zíper frontal e capuz. Acima dele, uma regata com logo da marca Nike, todas na cor azul, acompanhando a calça jeans e tênis da mesma marca; é o arquétipo do estilo esportivo da década de 80, e influencia o sportswear até os dias atuais.
Allison Reynolds apresenta-se como um mistério ao chegar usando um grande casaco de nylon com capuz, e ao retirá-lo, percebe-se que ela utiliza uma saia cinza com meia calça da mesma cor, uma camisa listrada preta e branca com casaco preto e cachecol preto e cinza. ; monocromáticas, largas e sem forma, com referência ao girly goth.
Cinco Claire Standish apresenta roupas coordenadas e com caimento impecável. Veste jaqueta de couro marrom, combinando com luvas e botas do mesmo material e um cachecol de renda branca. Sob o casaco está com uma blusa rosa, saia marrom com estampa paisley e um cinto largo; está fora do lugar e tudo veste exatamente como deveria.
John Bender, garoto problema do colégio/grunge, que a princípio parece não se importar com nada ao seu redor. Seu sobretudo, provavelmente herdado de alguém, é grande demais e precisa ser usado com as mangas dobradas. Sob ele veste uma jaqueta jeans desbotada e uma camisa de flanela xadrez, além disso, usa o que parece ser uma tira de pano desfiada como cachecol. Calça botinas pesadas e coloca as barras da calça desajeitadamente por dentro. O lenço amarrado no calçado direito e as luvas sem dedos coroam seu visual poluído e descombinado.
Diferentemente dos anos 80, quando as tribos eram fechadas e não se deixavam influenciar umas pelas outras como demonstrado acima, os jovens do final do século XX não foram tão adeptos a um determinado estilo. A moda era misturar diversas referências, formando, dessa maneira, uma nova proposta: a moda individualista.

Personagens do Clube dos Cinco. Da esquerda para direita: John, Andrew, Allison, Claire e Brian.
À exemplo dessa forte individualização o filme ‘As Patricinhas de Beverly Hills’ (1995) surge com uma narrativa que mostra a famosa “ditadura da moda” e suas tribos de estilo, no qual os modos de vestir exercem as funções de distinção do meio social e definição do indivíduo singular, que será visto em contraste aos demais.
As Patricinhas de Beverly Hills (1995)

Baseado na obra literária Emma, escrita por Jane Austen em 1815, As Patricinhas de Beverly Hills (Clueless, 1995) mostra a vida de Cher Horowitz, uma adolescente bonita, rica e mimada - todavia fashionista e lançadora de tendências - que tem sua imagem marcada pelo seu icônico conjunto xadrez amarelo assinado por Jean Paul Gaultier. Essa figura de estilo tão estereotipada e popular perdura até os dias atuais, e existe até certo ponto, marcada fortemente pelo apelo visual.
Os icônicos figurinos fizeram com que o filme fosse consagrado como referência para a década de 1990, impactando a cultura pop de forma tão grandiosa que até mais recentemente ressurgiu no mainstream. Em 2014, a rapper e cantora australiana Iggy Azalea junto com a britânica Charli XCX compuseram a música Fancy, referenciando o filme “As Patricinhas de Beverly Hills'' em seu videoclipe.
“É uma referência a um uniforme de colegial comum, mas de um jeito elevado, chique, muito fashion e também muito absurdo. Imediatamente você é transformado, você é mergulhado neste mundo diferente, porque isso não é o que as pessoas normalmente vestem na escola” comentou a atriz Alicia Silverstone, que interpreta Cher Horowitz.
O figurino assinado por Mona May contém referências preppy - o estilo estudante de classe alta bem arrumadinha das universidades inglesas e americanas - e tendências oversized unidas ao despojado grunge. Sob a atmosfera estudantil, o colete e as meias ¾ aparecem dando um ar sensual à personagem e o xadrez toma forma nas minissaias. O couro e mini vestidos de corte reto sem estampas e o couro são elementos da cultura pop contemporânea a década do filme.
Trechos do filme Patricinhas de Beverly Hills.
Fora o estilo grunge, auge do período no qual reinaram as roupas minimalistas, com predominância de cores neutras, as subculturas também ganharam um certo poder e notoriedade dentro da moda mainstream. A moda acaba realimentando e retomando os estilos do século XX, usando o cinema como um dos alicerces para construção de imagens consolidadas de estilo.
O figurino do filme Pulp Fiction por exemplo, é básico, com peças que a moda curte definir como "clássicas" - vestidos em linha A, short jeans, jaquetas e roupas de alfaiataria decorrentes da influência dos anos 20 e 60. Escolha relacionada ao fato de que na década de 1920 houve a emergência das regatas, a cintura era baixa e saias na altura dos joelhos. Em 1960 as mangas regatas retornam, e a cintura era baixa ou logo abaixo do busto dependendo do ano, a bainha ia do joelho à super curta minissaia. E, por fim, na década de 1990, as regatas emergiram uma vez mais, as cinturas eram abaixo do busto e as boinas curtas.
Assim percebemos como esses ciclos de surgimento e obsolescência de estilos e peças é contraditório e arbitrário, havendo uma “constante inconstância” de discursos dominantes, principalmente considerando o cenário atual de moda.
Sex and the City (2008)

Sex and the City invade as telas do cinema provocando o que mais instiga as mulheres do século XXI - o desejo de consumo pela moda - com a influência de nomes renomados no cenário mundial como Yves Saint Laurent, Prada, Chanel entre outros.
Exibido em 2008, o filme tem o figurino assinado por Patricia Field, a mesma figurinista da série homônima, iniciada em 1998, e mostra o cotidiano de quatro amigas moradoras de Nova York que são apaixonadas por moda e vestem grandes marcas da contemporaneidade.
A protagonista, Carrie Bradshaw, exibe figurinos que alternam entre o ultra feminino, referenciado no passado, e a expressão da independência da mulher no que diz respeito à valores críticos da singularidade, assim propondo reflexões em torno de novas imagens de moda.
Conhecida pelo seu interesse por moda, Carrie aplica seus rendimentos em sapatos de designers ou roupas de grife e nas oportunidades que uma metrópole proporciona. Fora do universo cinematográfico, a personagem influenciou a moda com a tendência dos acessórios descombinados e em tons contrastantes, como sandália vermelha e bolsa azul juntas, por exemplo.
No decorrer do filme, o comportamento de consumo autoral de moda da protagonista ganha destaque como meio de expressão pessoal, representando o comportamento do consumidor moderno: aquele que vê com liberdade suas escolhas, saciando suas motivações individuais e satisfazendo padrões estéticos.




























































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