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Lingerie de Luxo: O Caso do Dorama Atelier

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    Mostra Revista
  • 4 de nov. de 2021
  • 17 min de leitura

Atualizado: 11 de nov. de 2021


Reportagem: Maria Gabriela e Rafael Braz.

Contexto Histórico da Lingerie


Escondidas ou visíveis nos looks do dia-a-dia, a lingerie é elemento quase que essencial na nossa rotina, desde aquele sutiã nude “de vovó” até as mais elaboradas peças da Fenty Savage Show, estes itens de vestuários são figuras marcantes que constroem um imaginário comum à décadas, enquanto objetos de desejo ou fetiche. Assim, para que seja possível analisar a lingerie de luxo e o desenvolvimento de produto, precisa-se conhecer e entender um pouco de sua história.


“Lingerie” é um termo de origem francesa e é definido por “um conjunto de peças íntimas de vestuário”. Sua criação está muito ligada com questões de higiene, tendo em vista que entre seus principais objetivos constava proteger e cobrir as partes íntimas de cada indivíduo – vale citar que, nesse caso, eram utilizados em maioria materiais de cor branca e que fossem confortáveis para estar em contato direto com o corpo, como tecidos de algodão e linho, priorizando o conforto à estética.


Entretanto, não demora muito para que as lingeries passem a ser associadas com padrões de beleza: começaram a moldar o corpo (mais especificamente, o feminino) de diferentes formas durante os séculos – mesmo antes das sociedades de moda. Na antiguidade, por exemplo, em um contexto em que não havia moda e sim costume, as mulheres vestiam túnicas e cintas como roupa íntima, bem como faixas de tecidos nos seios a fim de modificar levemente sua silhueta, além de utilizarem peças como o cotte, que apertava a região dos seios e deixava o ventre saliente.


Falando em vestuário íntimo, não podemos deixar de citar o espartilho, peça utilizada para afinar a cintura das mulheres que se tornou um ícone estético, consolidado enquanto tendência em diferentes épocas – ainda que fosse prejudicial para a saúde. Dessa forma, as roupas íntimas foram de grande influência para as diversas silhuetas que marcaram a vestimenta feminina, uma vez que não só seguiam como também ditavam os padrões estéticos, da silhueta ao volume.


Imagens: Desenhos originais de um modelo de espartilho do século 18, retirados de “Recueil des Planches sur les Sciences et les Arts: Tailleur de corps”, de 1751-72.


Um período de muita importância para a lingerie foi a Renascença, quando surgiu a ‘calçola’ e houve a introdução da renda nas peças íntimas durante o século XVI. Pode-se dizer que os primeiros passos da lingerie como artigo de luxo começaram aqui, com a utilização desse e de outros adornos para aprimorar a estética dessas vestimentas. Vale citar, também, que as lingeries serviram para definir o status social de alguém na sociedade de corte, principalmente com a implementação de tais adereços que enriqueciam a peça e distinguiam seus usuários.


No século XIX, houve uma popularização do strip-tease e esse foi um dos primeiros e principais fatores que associaram a lingerie com o erotismo, junto da criação do baby-doll. No fim desse mesmo século destaca-se outro marco para as roupas íntimas: a criação do sutiã (ainda que só tenha sido patenteado em 1914, nos EUA, por Mary Phelps Jacob), pela designer Herminie Cadolle – a qual tinha uma empresa familiar de peças íntimas de luxo. Se faz importante citar que existem registros de peças similares ao sutiã que cobriam os seios em obras muito antigas, mas foi Herminie quem aprimorou e desenvolveu o sutiã para um modelo similar como é conhecido atualmente.


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Imagens: Croqui do primeiro sutiã por Herminie Cadolle de 1898.


Desde pouco antes do começo da sociedade de moda, as lingeries passaram a ter diversas conotações e foram muito influenciadas por movimentos políticos. A lingerie possibilita moldar o corpo e trazer mais segurança e, até mesmo, certo “empoderamento” para as mulheres começou a fazer a indumentária em questão ser associada com o prazer e com a sensualidade. Apesar de tal relação se manter até a atualidade, em 1960, o vestuário íntimo feminino como símbolo de sensualidade teve sua imagem queimada (literalmente) pelo movimento feminista, uma vez que resumia a mulher – nos olhos da sociedade – como objeto sexual, revolucionando a moda da época em busca de vestimentas práticas.



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Imagem: Queima de sutiãs por feministas do Women’s Liberation Movement em 1968.


Em contrapartida, no contexto do rock n’roll há uma subversão de tais discursos, considerando que a lingerie é um dos principais símbolos eróticos libertários para as mulheres da época, trazendo “para fora” as roupas íntimas: agora ela está a mostra, as mulheres vestem a lingerie (principalmente os sutiãs) sem outras peças por cima. O fetiche, desde então, retomou sua importância para as lingeries, que foram influenciadas e popularizadas por diversas personalidades da música, como a própria cantora Madonna – peças do tipo estavam quase sempre à mostra em seus shows e clipes, sendo o sutiã em forma cone de Jean Paul Gaultier uma de suas peças mais aclamadas.


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Imagem: Madonna vestindo o sutiã de cone de Jean Paul Gaultier em 1990 na sua turnê Blonde Ambition.


Durante o século XX, a lingerie se torna um símbolo de expressão – assim como a moda no geral –, muitas vezes representando a personalidade e identidade do indivíduo, fazendo com que diversas representações coexistam – e tais aspectos fossem impulsionados no século XXI, principalmente com a diversidade de mercados e formas de produção, cada uma sendo focada e diversificada para um nicho consumidor específico. Desse modo, tanto no Brasil quanto no exterior, o mercado das lingeries se tornou um dos mais populares entre as mulheres (mas não somente nelas), principalmente por ter se tornado um item essencial de indumentária – fator esse que aumentou a busca por lingeries com um diferencial.

Lingerie no Contexto de Moda de Luxo


Como vimos, a lingerie sofreu diversas alterações de acordo com as mudanças de comportamento da sociedade. Como produto de moda, pode-se se considerar que surgiu a partir do século XVI com o advento das camisolas, em que seria atribuída uma conotação sexual à peça.


Conforme Lipovetsky (2009), a moda teve início em meados do século XVI e XV na sociedade ocidental, e está em constante busca do novo. Devido a isto, o autor sustenta que o efêmero e a fantasia estética são aspectos intrínsecos à moda. A revista Vogue Paris, durante a Segunda Guerra, a definiu com a seguinte frase: “Enquanto existir desejo de mudança e amor pela expressão pessoal, sentimento de bem estar e de fantasia – haverá moda” (BARNABÉ, 2002 p. 233).


Antenadas com o momento em que viviam e cientes da volatilidade dos gostos e urgência de inovações, as maisons de Alta Costura, em razão do surgimento do prèt-à-porter em 1948, desempenharam a função de “[…] perpetuar a grande tradição de luxo, de virtuosismo de ofício, e isso essencialmente com fim promocional, de política de marca para o prêt-à-porter ponta de série e para os diversos artigos vendidos sob sua grife no mundo” (LIPOVETSKY, 1989, p.109). Portanto, o mercado de luxo apresenta no estético, e em seus símbolos de status, componentes de um valor aderido ao produto de moda.


Alléres (2000), entretanto, sustenta uma conceituação de maior abrangência: "Toda criação fora do comum ou do trivial, extraordinária, sinônimo de beleza, de estética, de refinamento, produto mágico, com as marcas da sedução, objeto lúdico, evocativo de sonho, de prazer, promessa de felicidade, é qualificada como prestigiosa, "de alta classe", inacessível produto de luxo" (ALLÉRÈS, 2000, p.19).

Dentro deste conceito, tem-se historicamente, o período da Renascença como marco importante para o luxo, uma vez que nesta época observa-se o progresso de adereços e o surgimento do luxo em mobiliários, talheres, fumo e perfumaria. Durante os séculos XVI e XVII, o luxo se faz presente nas roupas por meio dos bordados e lingeries, como foi citado anteriormente.


Na Modernidade, surge a Alta Costura, na qual os costureiros dirigem a moda e realizam suas coleções norteados por quesitos como marketing, e utilizam de diferenciais como ‘oferta’ e ‘sob medida’, para distinguir o mercado de luxo dos demais, em que a demanda é decisiva para a produção (CASTARÈDE, 2005).


Dessa maneira, a marca se faz essencial no luxo, com a inacessibilidade e seletividade como principais características. Ela é um mito, tem história, know-how, tradição de qualidade e de criatividade (CASTARÈDE, 2005).Conforme Allerès (2000), a raridade e a inacessibilidade aumentam o valor subjetivo dos produtos de luxo, por refletirem de forma atrativa seu papel social. Diante disto, o luxo se adapta ao tempo, e hoje, traz como novidade a individualização, emoção e o culto pelas marcas e bens raros.


Costurando tudo isto com o audiovisual, encontramos nuances do mercado de luxo de lingeries e os sistemas de diferenciação social através da preciosidade da produção das peças íntimas em projetos como o dorama Atelier. Nele, a Emotion Lingerie confecciona lingeries que são produzidas exclusivamente para seus clientes, funcionando dentro de um contexto de moda de luxo, e como consequência, da Alta Costura.


Em razão da lingerie ser um conjunto essencial para o público feminino, ao longo das décadas, as peças sofreram mudanças conforme alteravam os padrões estéticos da sociedade, criando assim, uma espécie de moda para as roupas íntimas. O que tornou estes produtos de moda como pertencentes ao mercado de luxo, além do fator da exclusividade, é o de instigar sonhos e prazeres a partir de seus novos modelos e materiais.


Dessa maneira, o luxo se mantém devido a aura de tradição e qualidade, bem como a experiência de compra que se encontra na relação do consumidor com o produto. Demonstrando através de seus produtos, a valorização da arte, beleza, criatividade da capacidade do ser humano em transformar matérias primas brutas em complexos artefatos que se tornam objetos de desejo por séculos, uma vez que a escolha dos materiais certos para a confecção das peças é de extrema importância, principalmente se tratando de uma produção de luxo feita sob medida - aspecto este que o dorama Atelier aborda em seus episódios.


Sob este prisma, Atelier pode ser considerado como uma vitrine do cenário cultural do luxo e Alta Costura japonesa, visto que a marca onde a história é relatada se localiza em um distrito de Tóquio, um dos centros de tendências da moda desde a década de 1970, influenciando diversas empresas e maisons europeias.


No mais, durante a década de 80 no Japão, houve o marco de estilistas nipônicos que surpreenderam o mundo com conceitos e coleções inesperadas. Segundo José Luis de Andrade, professor de Design de Moda do SENAC de São Paulo, "Eles mudaram os conceitos sobre o modo de se vestir trazendo formas esculturais e arquitetônicas para as peças".


Imagem 01: Kansai Yamamoto e David Bowie

Imagem 02: David Bowie vestindo Kansai Yamamoto


Diante disto, a cultura japonesa se tornou referência de centro criativo através de Tóquio. Em termos de negócios, o mundo da moda no Japão é o principal mercado da Ásia e o segundo mais importante depois da Comunidade Econômica Europeia.


Atualmente, os jovens misturam tradição com tecnologia, modernidade com lolitas de histórias de terror do século XIX, em uma invasão de tribos urbanas nas ruas. A moda jovem pode se ligar à indústria, ao mainstream, ou às manifestações espontâneas nas ruas – o famoso street fashion nipônico que inspira outros jovens de diversas localidades com o advento da globalização e os demais avanços tecnológicos que tornaram possíveis assistir esse cenário cultural.

Expansão da Cultura Japonesa


Por efeito de sua rápida recuperação econômica após a Segunda Guerra Mundial, o Japão introduziu em outros países sua cultura por meio de seus produtos altamente diferenciados e de qualidade, que combinam tecnologia e modernidade com história e narrativa.


O contraste é regra no Japão de hoje. Antigas e modernas, tradicionais e ocidentais, opostos coexistem no país onde o sol se levanta. Esta é a característica que mais fascina o observador estrangeiro no Japão: a coexistência de elementos que parecem contraditórios. Há algo de estranho, fascinante e sedutor no país do sol nascente, que se antes parecia ser algo distante e quase incompreensível de pessoas comuns deste lado do globo, agora parece ser parte do cotidiano e algo mais próximo que a porta do vizinho. Mais ainda, o Japão tornou-se sinônimo de algo legal, inusitado e fashion (SATO, 2007, p.11).


Em vista disso, como mencionado anteriormente, o Japão se tornou uma referência de cultura mundial. Produtos de ascendência japonesa como mangás, animes, doramas e o kawaii - como estética -, tiveram seu consumo significativamente aumentado.


Por influência de animações da Disney e filmes de Hollywood, o país harmoniza os valores estadunidenses com os de sua cultura, e com isso, a cultura pop nipônica adentra a mídia ocidental utilizando a internet como principal ferramenta.


Dentro do ciberespaço, um lugar virtual onde a comunicação e a circulação das informações se dão independentemente da distribuição geográfica dos indivíduos e da diferença de horários (LÉVY, 1999, p. 49), é possível descobrir, acompanhar e trocar informações sobre qualquer assunto com maior facilidade do que anteriormente.


Um dos primeiros contatos que o ocidente teve com produtos culturais japoneses foi com os animes que aos poucos roubaram na televisão o horário nobre de desenhos animados ocidentais. Já os mangás obtiveram maior presença no final dos anos 90, com uma explosão de consumo de ambos os produtos na Europa e Estados Unidos na mesma década.

No Brasil, após o sucesso de desenhos como ‘Cavaleiros do Zodíaco’ - e posteriormente com ‘Pokémon’ -, as bancas de revistas abriram espaço para quadrinhos japoneses.


Imagem 01: Poster Pokemon

Imagem 02: Poster Cavaleiros do Zodíaco


Entretanto, apenas com lançamentos de icônicos títulos como ‘Dragon Ball’ e ‘Samurai X’, as editoras acrescentaram definitivamente o segmento “mangá” no mercado brasileiro.


Diante disto, nos anos 2000, houve um notável crescimento de desenhos com estética japonesa no ocidente, como “Os Jovens Titãs" lançado pela editora DC abertamente em estilo anime, e outros de sucesso como “Samurai Jack” e “Star Wars - Clone Wars”, ambos criados pelo Cartoon Network de estilo igual ao anterior. Na Europa, a maior referência que se tem de desenho animado que segue este estilo nipônico seria “As 3 Espiãs Demais”, criado pelo estúdio Marathon.



De encontro aos animes e aos mangás, porém, outros elementos da cultura pop japonesa tiveram dificuldade em alcançar a mesma ampla divulgação. Este é o caso das novelas japonesas comumente conhecidas como doramas, em que ocorre em suas narrativas o reflexo da cultura do Japão, funcionando como vitrine do cenário cultural do país, como mencionado previamente.


Entretanto, frente ao avanço tecnológico, ocorreu “a disseminação rápida da produção de produtos [...] o que contribuiu ainda para o avanço da cultura pop japonesa” (MONTE, 2010, p. 75). Hoje, todo o avanço tecnológico e a globalização na área social e, especialmente, cultural foram e são fundamentais para que os fãs tenham acesso a tudo que seja relacionado aos desenhos animados japoneses. Sejam os próprios animês, a cultura pop, games, mangás, etc (MONTE, 2010, p.38).


Silva (2013) descreve três fatores centrais que contribuem para promover esse contexto em que os doramas ocupam lugar de destaque, dentro e fora dos modelos tradicionais de televisão.


[...] a primeira condição é a que chamamos de forma, e está ligada tanto ao desenvolvimento de novos modelos narrativos, quanto à permanência e à reconfiguração de modelos clássicos, ligados a gêneros estabelecidos como a sitcom, o melodrama e o policial. A segunda condição está relacionada ao contexto tecnológico em torno do digital e da internet, que impulsionou a circulação das séries em nível global, para além do modelo tradicional de circulação televisiva. A terceira condição se refere ao consumo desses programas, seja na dimensão espectorial do público, através de comunidades de fãs e de estratégias de engajamento, seja na criação de espaços noticiosos e críticos, vinculados ou não a veículos oficiais de comunicação como grandes jornais e revistas, focados nas séries de televisão. (SILVA, 2014, p. 243)


Dessa maneira, o Japão e seus produtos midiáticos se inserem dentro do contexto da mundialização da cultura, expondo diversas pautas e temáticas que, por vezes, vão além de seu país.

O Dorama Atelier


Com a crescente busca por doramas e outros conteúdos do Japão nos últimos, a plataforma de streaming Netflix passou a investir nesse tipo de produção e adicionou diversas obras em seu catálogo. Um de seus primeiros passos dentro desse mercado foi o dorama “Atelier” (2015), também chamado de “Underwear”, o qual foi coproduzido com a emissora japonesa Fuji Television e conta a história de Mayuko Tokita (interpretada por Mirei Kiritani), uma nova funcionária apaixonada por fibras e tecidos na loja de lingeries de luxo “Emotion”, localizada no distrito de Ginza, em Tóquio – o qual, por sinal, é tido como centro criativo da moda. Mayuko, também chamada de Mayu, procura se descobrir como profissional dentro da loja de Mayumi Namjo (interpretada por Mao Daichi), a rigorosa fundadora e designer-chefe da marca, ao desempenhar diversos papéis.


Imagens: Poster e elenco do dorama Atelier. Reprodução: Netflix.


Apesar de ser uma obra de ficção, o dorama levanta temáticas relevantes tanto para sociedade quanto para indústria da moda, além de explicar diversos conceitos sobre o mundo da moda e da lingerie, mas de forma clara e objetiva, com o fito de que todos sejam capazes de entender e apreciar a obra.


Mesmo que com foco nas lingeries, já no primeiro episódio é retrata um dos fatores mais comuns no sistema de produção e desenvolvimento de produto de moda: o timeline reduzido e ritmo acelerado do sistema – poucos dias antes do próximo show da marca, onde novas peças seriam apresentadas para o público, três designs foram descartados por Namjo e precisavam ser repensados e reproduzidos imediatamente. Tais designs eram criações de uma das funcionárias da Emotion, Mizuki Nishizawa (interpretada por Sakai Wakana), a qual sempre tentou fazer com que seus designs fossem aceitos por sua chefe.


Apenas com esses acontecimentos, duas problemáticas são levantadas dentro da série: uma envolvendo a dificuldade de crescer dentro da profissão e a frustração do profissional em questão (principalmente em produções de menor escala e de luxo), que ou faz o profissional desistir da área ou se sentir menosprezado e estanque; e a outra focada no desperdício de materiais, tendo em vista que as peças descartadas são jogadas fora, mesmo que estivessem em um bom estado e tivessem sido produzidas a mão com materiais sofisticados (outra questão recorrente na indústria).


Enquanto os últimos ajustes nas peças são feitos, as modelos para o pequeno desfile da marca, onde apenas pessoas importantes da indústria e clientes “fiéis” podem comparecer, precisam ser escolhidas. Durante os testes, uma das modelos desmaia por estar sem comer e acaba perdendo a chance de desfilar – na moda como um todo se é esperado um padrão muitas vezes irreal de corpo e tais padrões são ainda mais rígidos quando se trata de lingerie, fazendo com que as modelos passem por dietas extremas e prejudiciais.


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Imagem: Escolha de modelos em Atelier. Reprodução: Netflix.


Apesar da obra ser de 2015, os avanços realizados quanto aos tipos de corpos e direitos dos modelos foram poucos, tendo em vista a resistência da indústria em se adaptar, como foi o caso da marca Victoria’s Secret, mundialmente famosa por suas lingeries, a empresa realizou inúmeros desfiles com suas modelos, as quais eram chamadas de “Angels”. Contudo, com o passar dos anos, a marca foi alvo de críticas por diversos motivos, mas principalmente pelos padrões de corpos que estabelecia e pela sua falta de diversidade (em inúmeros sentidos), levando ao fim de seus desfiles de grande escala. Salienta-se que tais padrões também são refletidos nos profissionais e isso também é exemplificado no dorama, uma vez que Mayu é pressionada desde o começo por sua chefe para mudar seu visual, por ser considerada fora de moda e sem um bom sentido estético – em razão disso, ambas entram em um debate sobre o porquê de mulheres, especificamente, precisarem ser “bonitas” e a conclusão que Namjo chega para essa pergunta é “A história da humanidade é a resposta”, além de afirmar que é dever do designer descobrir o que é beleza (ou ao menos tentar) por meio de suas criações.



É demonstrado, também, que a escolha dos materiais certos para a confecção das peças é de extrema importância, principalmente se tratando de uma produção de luxo feita sob medida – é preciso ter cuidado com os materiais propostos, mesmo que as clientes possam escolher quais tecidos, por exemplo, serão utilizados, mudanças muito drásticas nos modelos propostos nos desfiles de lançamento podem ocasionar no desinteresse do público pela marca. Ou seja, não importa tanto que o preço seja exorbitante, o público desse tipo de marca quer conforto em uma peça luxuosa, é preciso que o status da mulher “Emotion” (no caso do dorama) seja explícito na lingerie.


Entretanto, a série também aponta que tais materiais novos (às vezes mais baratos, mas de qualidade semelhante aos “clássicos”, como uma malha estampada utilizada em uma das criações de Namjo) podem sim ser introduzidos, mas de forma sutil. Introduzir a ideia é importante, mesmo que ela não seja aceita de primeira.


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Imagem: Mayu abraçada no modelo de lingerie de malha da Emotion. Reprodução: Netflix.


Quanto a realização de um pedido sob medida, a série separa o processo nas seguintes etapas: a cliente detalha como quer a roupa, a designer faz o croqui (caso não seja um pedido de um modelo já existente), são feitas provas com peças semelhantes e as medidas são tiradas. Então, a peça será produzida com os materiais escolhidos pela cliente. A base da peça é feita pelas designers assistentes para depois ser realmente produzida e finalizada pela designer-chefe, Namjo.


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Imagem: Namjo finalizando uma peça de lingerie. Reprodução: Netflix.


O crescimento de marcas prêt-à-porter e que trabalham com fast fashion trazem um dos principais paradigmas para a trama de Atelier: como sobreviver no mercado, sendo uma marca cara e com uma produção baixa, competindo com indústrias nacionais? Há muitos anos a democratização do luxo ocorre, o que leva ao surgimento de cópias e a diminuição do savoir-faire (produção feita a mão), que não chega a ser extinto por completo, mas carece de um público fiel para se manter tendo em vista que, segundo Lipovetsky, a produção em série torna os produtos de luxo acessíveis para a classe média graças ao barateamento dos custos para a produção. No dorama, a própria Emotion passa por um momento turbulento, onde ficam sem insumos financeiros para o desenvolvimento de produto e Namjo acaba precisando recorrer a ajuda financeira e o esforço de Mayu e seus outros funcionários.


Apesar de ter sido contra a ideia por muito tempo, Namjo acaba criando uma filial prêt-à-porter, que não produz para toda nação, mas atua em mais áreas que a sua loja sob medida, com novos designs e materiais mais baratos, apesar de ainda manter os padrões e qualidade da Emotion (entrando nos conceitos de semi-luxo e falso luxo). Para que pudesse trabalhar com mais “segurança”, Namjo precisou recorrer a tais meios – situação essa que se repetiu inúmeras vezes fora da ficção.


A última temática a ser trazida nesta reportagem envolve um dos últimos estágios do desenvolvimento do produto: a divulgação. A forma como um produto será apresentado para o público é de extrema importância, tendo em vista que esse será o primeiro contato – ainda que apenas visual – do consumidor com a mercadoria em questão. Existem dois momentos em Atelier que a importância da divulgação fica evidente, primeiramente com a aparição da lingerie experimental com um toque mais esportivo que Mayu fez em uma revista popular de moda – ainda que tenha sido sem o consentimento de Mayu.


Imagem: Namjo e os funcionários vendo a lingerie de Mayu pela primeira vez. Reprodução: Netflix.


A publicação da foto chamou atenção do público e rendeu diversos pedidos para Emotion, ajudando na crise da empresa no momento e surpreendendo Namjo, que tinha rejeitado a peça inicialmente – e a realização de um grande desfile com as últimas peças da marca, um evento de uma escala muito maior do que os anteriormente realizados pela equipe. Com a organização e produção de Mayu, o evento foi um sucesso e trouxe ótimos resultados para Namjo.


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Imagem: Modelo na passarela durante o desfile realizado por Mayu. Reprodução: Netflix


Atelier, mesmo sendo uma produção de 2015, conseguiu pautar diversos temas que são relevantes até a atualidade, misturando a ficção, o humor e a realidade de um profissional da moda, mais especificamente aquele que trabalha com lingeries. Além dos tópicos já abordados, o dorama ainda detalha que a melhor forma de se tornar um profissional bom e competente, que entenda do desenvolvimento do produto de moda é por meio do estudo e, principalmente, da prática. É preciso que profissionais como Namjo e toda a equipe da Emotion não deixem de existir, para que possam transmitir seus conhecimentos para aqueles recém-chegados no mercado, como Mayu. A obra ainda está disponível na plataforma da Netflix e consta com uma temporada de 13 episódios, com duração média de 50 minutos, pronta para informar e instigar o público a conhecer um pouco mais a fundo a indústria da moda de lingerie e o desenvolvimento do produto de luxo.


Referências


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