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Marvel e Pluralidade: a linha tênue entre representatividade real e estratégia mercadológica

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    Mostra Revista
  • 16 de set. de 2021
  • 48 min de leitura

Reportagem por: Maria Gabriela Bosa

O Cinema, por meio de suas produções cinematográficas, expõe signos – icônicos e simbólicos – que potencializam a criação midiática de narrativas com dimensões em que a arte, estética, cultura, política e economia se compõem. A indústria cinematográfica ao longo dos anos se tornou mais dinâmica e ambiciosa, exercendo uma significativa participação na construção da visão de mundo de indivíduos ao redor de todo o globo.


Diante disso, os movimentos sociais relacionados a questões de inclusão e diversidade tornaram-se discussões frequentes dentro e fora da indústria. A necessidade por igualdade e representatividade no cinema é uma das pautas discutidas recorrentemente, visto que as produções audiovisuais são um dos elementos que constituem a personalidade individual, bem como o pensamento social crítico, e ideológico da audiência através das representações sociais veiculadas, principalmente pela identificação com os personagens expostos.


Neste contexto, filmes de super-heróis produzidos pelos grandes estúdios se transformaram em um fenômeno que, conforme cooptados pelo público, contribuem na construção do pensamento social e do estabelecimento e rompimento de estereótipos do espectador. A exemplo disso, o Universo Cinematográfico da Marvel promoveu debates políticos acerca de identidade e representatividade que vão além do entretenimento, a partir das produções de Pantera Negra (2018) e Capitã Marvel (2019).


Entretanto, tais produções são exceções comparadas às demais narrativas audiovisuais do universo cinematográfico de grande porte, dado que apesar da variedade de filmes, a maioria de seus conteúdos é marcada com interpretações sexualizadas e objetificadas do corpo feminino, estereótipos, tokenização – quando a presença de um único personagem pertencente a um grupo minoritário concentra (supostamente) as múltiplas opressões e tensões vivenciadas por esse grupo – e queerbaiting, técnica usada em ficções para atrair pessoas da comunidade LGBTQIA+ a consumirem dado produto de entretenimento.


Em contrapartida, as novas produções dos estúdios Marvel como WandaVision, Loki e Viúva Negra, e outras que compõem a Fase 4 do MCU, apresentam um novo posicionamento a respeito desta questão, visto que a indústria tem buscado criar uma mídia mais diversa e inclusiva, em que estão inseridas em suas narrativas temáticas sociais, identitárias e políticas, ainda que de maneira controlada e por vezes estereotipada – embora expresse a importância simbólica da presença de mulheres e outras minorias protagonizarem suas obras solos dentro do universo.


Sob este prisma, o Universo Cinematográfico da Marvel faz uso, como será destrinchado ao longo desta reportagem, da diversidade como um produto da indústria cultural, de modo à nunca satisfazer plenamente o que constantemente busca prometer, uma vez que a Marvel vem estabelecendo o compromisso com seus fãs de uma maior representação de minorias sociais há anos e, no entanto, as caracterizações dos personagens apresentam apenas nuances e diferentes graus de representatividade, até chegar às atuais produções da Fase 4 que cumprem esse acordo com o público, em que as representações desses grupos apresentam significativas mudanças no MCU.

MARVEL ENTERTAINMENT

DOS QUADRINHOS AO UNIVERSO CINEMATOGRÁFICO


A Marvel Comics é uma editora formada em 1939, previamente como Timely Comics, fundada por Martin Goodman. Atualmente, a Marvel Comics pertence a companhia Marvel Entertainment, como uma de suas divisões, junto da Marvel Television e Marvel Studios, sob a presidência de Kevin Feige, CEO da Marvel Entertainment, a qual, desde 2009 tem suas produções financiadas pelo conglomerado The Walt Disney Company.


A Marvel como marca, entretanto, começou a partir de quadrinhos de super-heróis, com a primeira edição publicada em 1939. Diante disto, ao longo da década de 1940, os comic books fizeram grande sucesso entre o público jovem com personagens como Tocha Humana e Capitão América, operando para diferentes públicos no decorrer dos anos.


Imagem 01: Marvel Comics Vol 1 #1 | Reprodução

Imagem 02: Capitão América em Quadrinhos Vol 1 #1 | Reprodução

Em decorrência disso, as representações e diversidade se fizeram presentes nos quadrinhos desde 1940. Na “Era de Ouro” dos quadrinhos, entre 1930 e 1950, as personagens femininas, por exemplo, incluíam traços de inteligência, força e independência em suas personalidades, como resultado das contribuições econômicas das mulheres no mercado de trabalho durante a Segunda Guerra. A exemplo da publicação de Mulher Maravilha da rival DC Comics, o que impulsionou a editora Marvel a lançar no posteriormente personagem como a Feiticeira Escarlate, Viúva Negra e Carol Danvers ainda que fossem ilustradas e escritas por homens, e por consequência brancas, heteronormativas, e dentro de um padrão de beleza.


No entanto, os quadrinhos sofrem influência do contexto sócio histórico, logo, em contrapartida, houve uma renovação de concepções dos mesmos entre as décadas de 60 e 70, influenciadas por conflitos externos, como a luta pela garantia e ampliação de direitos civis. A partir disto, modelos foram rompidos com a inserção de indivíduos componentes da sociedade estadunidense até então rejeitados no universo dos quadrinhos, há exemplo de personagens negros eram praticamente inexistentes.


Em 1966 surgia, portanto, o Pantera Negra, primeiro super herói negro nos quadrinhos, em uma quebra de padrões ao retratar um rei de um fictício reino altamente tecnológico e futurístico chamado Wakanda. Em acréscimo, ocorreu dentro deste mesmo ano, a fundação do movimento dos Panteras Negras em Oakland, com o objetivo de proteger a população negra da brutalidade policial, e que ampliaria no decorrer histórico a perspectiva de visão da luta contra o sistema vigente.

Imagem 01: The Fantastic Four #52 | Reprodução

Imagem 02: Black Panther #1 | Reprodução

Entretanto, apesar da semelhança, o escritor Stan Lee nega qualquer relação entre os dois, alegando que o movimento não serviu de inspiração para a criação do personagem, mas que sua inspiração, segundo Jack Kirby – um dos quadrinistas pioneiros da Marvel – ocorreu devido a falta de personagens negros nas histórias em quadrinhos, visto que haviam leitores negros porém ninguém estava os representando. Sob este prisma, após a criação de Pantera Negra, a Marvel investiu em outros super heróis negros como o Falcão em 1969, representado por um cidadão americano de origem nova iorquina em um bairro com a população majoritária negra, com suas narrativas interligadas com o Capitão América.


A década de 70, marcada pela ascensão de quadrinhos underground – publicações independentes como representação das contraculturas da época, incluindo personagens desajustados – e pressão de movimentos feministas e de direitos civis, iniciou uma nova era dos quadrinhos em que os rumos da editora seguiram tendências de mercado de acordo com o que ocorria no mundo. Com o intuito de dar mais espaço para personagens voltados às minorias, o número de super-heroínas e personalidades não brancas aumentou, ainda que não fossem ilustradas e escritas de maneira tão representativa dado que essas personagens eram desenhadas com traços sexualizados e provocativos, e retratadas com exotismo. Todavia, em decorrência disto, surge em 1977 outra nuance de representatividade nos quadrinhos com a chegada do primeiro número da Miss Marvel, em uma reinvenção da super-heroína Carol Denvers associada ao movimento feminista, dado que a personagem luta pela igualdade salarial na história.


Imagem 01: Ms. Marvel #1 | Reprodução

Imagem 02: Ms. Marvel #1 | Reprodução


Simultâneos aos acontecimentos da Guerra Fria, ocorria a Era Moderna na indústria dos comics, em que personagens eram retratados de todas as vertentes soviéticas, sejam vilões regenerados como a Viúva Negra, personagens denominados como heróis desde a sua introdução, divididos entre quem servir, como no caso de Colossus dos X-Men, ou ainda, soldados que “simbolizam a ideologia soviética e comunista”, os Supersoldados Soviéticos.


Diante disso, a Marvel Comics se fundamentava como a editora de lançamento do “super-herói moderno”, guiado por falhas e problemas sociais à sua volta, as políticas de identidade e a terceira onda feminista, fatores que influenciaram na criação de seus personagens, elevando-os a um lugar mais humano – um dos ícones advento deste fenômeno foi a dualidade apresentada por Peter Parker e seu alter ego Homem Aranha. Tal mudança de cenário realizada por Stan Lee e Jack Kirby revolucionou o mercado editorial de quadrinhos.


Imagem 01: Amazing Fantasy # 15 | Reprodução

Imagem 02: The Amazing Spider-Man #50 | Reprodução

Imagem 03: The Spectacular Spider-Man #1 | Reprodução

A história da Marvel, a partir de então, se consolida na cultura pop mundial. Se os personagens e a identidade visual da marca são facilmente reconhecidos por seus consumidores, é por causa de suas narrativas, em que ocorrem associações e conexões com o público, gerando uma identificação dos mesmos com os personagens.


Dito isto, os quadrinhos como produtos culturais englobam temáticas influentes de seus períodos, como exposto previamente, e se reinventam à medida que seus consumidores e o mercado vão se modificando. Acerca deste fato, a Marvel Comics expandiu seu universo para além dos quadrinhos, em uma arriscada e inédita estratégia da criação de um universo cinematográfico, lançando suas produções audiovisuais de maneira planejada com uma narrativa transmidiática.

MARVEL STUDIOS


A Marvel em 2008 criou seu estúdio de cinema, onde tem a suas produções dedicadas à adaptações de personagens da Marvel Comics em um universo cinematográfico com diversos filmes interligados entre si de forma a criar uma maior história por trás das obras e uma linha temporal de fácil acompanhamento.


Henry Jenkins (2009) define o fenômeno da transmídia como um efeito de histórias contadas em diferentes mídias, e as suas narrativas, como uma estética advinda da convergência de tais mídias. O Universo Cinematográfico da Marvel (MCU) faz uso destes conceitos, ao criar um universo compartilhado que prevê a existência de outros heróis dentro de um mesmo espaço, em uma complexa dinâmica crescente de narrativas seriadas e interligadas. Nesta dimensão, o foco não está em apenas uma história ou um personagem, mas em construir um universo ficcional que abrange diversas histórias e personagens conectados.


Os Estúdios Marvel arquitetaram seus projetos inicialmente em três fases, cada uma com anexos de produções singulares ao término de outra, de maneira a introduzir o que viria na sequência, compondo um ciclo narrativo de uma história central fragmentada em histórias paralelas e subtramas.


Como consequência, durante a Fase 1 do MCU ocorreu o lançamento dos filmes Homem de Ferro (2008), Thor (2011) e Capitão America: O Primeiro Vingador (2011), que introduzem e contextualizam os personagens dentro do universo, se encerrando com a produção de Vingadores (2012). O arco da Fase seguinte teve início em 2013 com o último filme da trilogia do Homem de Ferro, introduzindo novos heróis como os Guardiões da Galáxia (2014), Homem Formiga (2015), e se encerrando com a produção de Vingadores: A Era de Ultron (2015), onde a personagem da Feiticeira Escarlate é recrutada para o time.


A Fase 3 consiste em dar início ao desfecho da Saga do Infinito, com novos personagens como Doutor Estranho (2016), Homem Aranha (2017), Pantera Negra (2018) e Capitã Marvel (2019), que se juntam aos vingadores a fim de derrotar Thanos, o mad titan que visa matar aleatoriamente 50% de todas as populações existentes no planeta Terra.


Com o lançamento do streaming Disney+, a Fase 4 estreia com a série WandaVision e expande o universo para além das obras cinematográficas, com minisséries exclusivas da The Walt Disney Company, que compartilharão, como consequência, integralmente dos acontecimentos e demais arcos narrativos das próximas produções, com as histórias fragmentadas entre filmes e séries, compondo uma nova narrativa transmídia, conforme Jenkins: “Para viver uma experiência plena num universo ficcional, os consumidores devem assumir o papel de caçadores e coletores, perseguindo pedaços da história pelos diferentes canais,” (JENKINS, 2009, p. 49)


Com a expansão das propriedades intelectuais da Disney, resultante da compra de grandes produtoras de cinema e televisão como a 21st Century Fox, LucasFilm, ABC entre outros, a companhia tornou possível uma maior ampliação deste processo transmidiático, visto que a 21st Century Fox, por exemplo, detinha os direitos de personagens como os X-Men, Quarteto Fantástico e Deadpool dentro do gênero de super-heróis.


Decorrendo dos fatos até então expostos, a próxima produção cinematográfica apostada pela companhia é Os Eternos (The Eternals) (KEEN, 2019), que marca o primeiro filme de super-heróis com liderança gay dentro do Universo Cinematográfico da Marvel, e a introdução de um novo time superpoderoso. O personagem que manifestará esta transição é Ikaris, um dos membros da família descendente dos Celestials, seres intergalácticos responsáveis pela criação dos humanos e ascendência dos mutantes e dos X-Men.



Planejados para próxima fase, estão presentes ainda, os títulos: ‘Ms. Marvel’, ‘Gavião Arqueiro’, ‘Cavaleiro da Lua’, ‘Mulher-Hulk’, ‘Invasão Secreta’, ‘Coração de Ferro’, ‘Eu Sou Groot’, ‘Wakanda, O que aconteceria se…?’ e ‘Guardiões da Galáxia: Especial de Natal’ entre as minisséries com produções confirmadas e programadas para lançar na plataforma de streaming, enquanto no cinema haverá as exibições de Shang-Chi e a Lenda dos Dez Anéis, Os Eternos, Homem-Aranha 3, Doutor Estranho no Multiverso da Loucura, Thor: Amor e Trovão, Pantera Negra 2, Capitã Marvel 2, Homem-Formiga e a Vespa: Quantumania, Guardiões da Galáxia Vol. 3 e Quarteto Fantástico.


Dentre os projetos audiovisuais citados acima, evidencia-se uma notável ampliação de protagonistas femininas e não brancos liderando produções em relação às fases anteriores.

DIVERSIDADE:

PRODUTO DE MARKETING OU POLÍTICA AFIRMATIVA?


No decorrer de mais de 10 anos de existência, o Universo Cinematográfico da Marvel conquistou diversos expectadores além do subestimado público nerd, com um alcance tão gigantesco, que fez com que Vingadores: Ultimato (2019) – filme que conclui as Fases 1, 2 e 3 da Saga do Infinito – quebrasse recordes de bilheteria ao arrecadar mais de US$ 2,7 bilhões ao redor do globo, se tornando o filme de maior bilheteria de 2019. Ao arrecadar US$ 858,3 milhões de dólares nos EUA e Canadá, o filme também se tornou a 2° maior bilheteria na América do Norte na história do cinema atrás apenas de Star Wars: O Despertar da Força (2015) que arrecadou US$ 936,6 milhões em 2015; foi o filme mais rápido da história a chegar a US$ 1 bilhão em receita, alcançando a marca em apenas 5 dias.

Como visto anteriormente, o MCU opera em uma convergência de mídias apresentando uma narrativa transmidiática entre suas produções, interligando suas histórias dentro de um mesmo universo. Sob este prisma, a lógica de consumo exposta acima, refere-se a Indústria Cultural:


A indústria cultural não cessa de lograr seus consumidores quanto àquilo que está continuamente a lhes prometer. A promissória sobre o prazer, emitida pelo enredo e pela encenação, é prorrogada indefinidamente: maldosamente, a promessa a que afinal se reduz o espectáculo significa que jamais chegaremos à coisa mesma, que o convidado deve se contentar com a leitura do cardápio. (ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p. 10)


O MCU, portanto, aplica este raciocínio ao manter “refém” seu público com obras cinematográficas e televisivas conscientes das necessidades do mesmo, registradas com base nos números de bilheteria. Os bens culturais, como gênero de mercadoria, passam a ser autofabricados, padronizados, segundo os critérios do mercado. Assim, a indústria cultural tem como pretensão estandardizar os gostos dos indivíduos, de modo a levá-los a aceitarem os critérios ditados pelos produtos, com o objetivo de satisfazer as supostas necessidades criadas pelo mercado. (ADORNO, 2000, p. 288)


Em dezembro de 2017, The Walt Disney Company adquiriu parcelas das divisões do estúdio 21st Century Fox. Robert Iger, acerca disso, afirmou em um anúncio oficial que “a aquisição dessa estelar coleção da 21st Century Fox reflete o aumento da demanda dos consumidores por uma rica diversidade de experiências de entretenimento, que são mais convincentes, acessíveis e convenientes do que nunca.”.

Resultante disto, fica evidenciado o que Jenkins (2009) enuncia sobre o conceito de convergência midiática. Para o autor, esta definição se dá pela “palavra que define mudanças tecnológicas, industriais, culturais e sociais no modo como as mídias circulam em nossa cultura”. E juntamente, definida por meio do fluxo de conteúdos através de múltiplas plataformas de mídia, à cooperação entre múltiplos mercados midiáticos e ao comportamento migratório dos públicos dos meios de comunicação, que vão a quase qualquer parte em busca das experiências de entretenimento que desejam. (JENKINS, 2009, p. 29). No que diz respeito a convergência, portanto, esta transcorre nos meios de comunicação e nas narrativas reproduzidas, através da cultura participativa, expressa nos espectadores como participantes integrais do processo comunicativo e criativo, uma vez que:


As indústrias midiáticas precisam mudar para acomodar as demandas dos consumidores mesmo que eles queiram treinar esses consumidores para agirem de forma que beneficiem os seus interesses. Empresas midiáticas atuam diferentemente hoje porque elas têm sido moldadas pelo expressivo crescimento da cultura participativa. (JENKINS, 2007, p. 362–63).


Como exemplificado a seguir, em consequência da percepção quanto à falta de personagens de maior pluralização nas produções antecedentes do Universo Cinematográfico da Marvel se fez de forma nítida, a partir do lançamento de Pantera Negra (2018) e Capitã Marvel (2019), marcando 10 anos de obras audiovisuais sem protagonistas negros, mulheres ou de etnias diferentes.


Imagem 01: Pôster Filme Pantera Negra | Reprodução

Imagem 02: Pôster Filme Capitã Marvel | Reprodução


Entretanto, esse atraso quanto à diversidade e representatividade dentro da Marvel, se deu por efeito da contínua oposição do antigo CEO da Marvel Entertainment, Ike Perlmutter em relação ao avanço de filmes protagonizados por minorias.


Desde que assumiu a presidência da Marvel Entertainment, Perlmutter apresentou histórico de conflitos com produtores e criadores. A exemplo disto, está o seu embate com a publicidade dos personagens que estavam nas mãos da Fox Films, uma vez que a empresa se mantinha irredutível quanto aos direitos adquiridos da Marvel.


Como resultado, Ike ordenou que todo e qualquer produto relacionado ao Quarteto Fantástico e os X-Men “desaparecessem” enquanto pertencessem à concorrência, visto que a Fox parecia não ceder com relação a tais grupos. Em detrimento disto, os X-Men foram retirados dos games da desenvolvedora Capcom, e ambas equipes foram retiradas do merchandising e outros materiais de publicidade das novas temporadas da Marvel Comics.


Kevin Feige iniciou sua carreira na empresa como assistente de produção de X-Men, em 2000, percorrendo as principais adaptações de quadrinhos até encarregar-se da Marvel Studios em 2008, com a produção do Homem de Ferro. Contudo, suas ideias eram contrárias aos conceitos do ex-CEO, devido a sua constante resistência acerca da inserção da pluralidade no universo, o que gerou números atritos entre ambos, com maior destaque em 2009, quando Perlmutter substituiu o ator Terrence Howard por Don Cheadle como James Rhodes em Homem de Ferro 2, em uma repulsiva negociação com o ator e denúncias de que o executivo teria afirmado que a alteração passaria despercebida dado que “negros todos parecem iguais” – comentário acompanhado prontamente de três executivos afro-americanos da Marvel deixando a empresa em busca de outros acordos financeiros.


Em uma entrevista ao The Independent, Mark Ruffalo – ator que interpreta o personagem Bruce Banner/Hulk desde 2012 – recapitulou uma conversa com Kevin Feige durante a produção do primeiro Vingadores, em que o produtor admitia a possibilidade de não estar envolvido com o Universo Cinematográfico da Marvel futuramente, por planejar discutir com a Disney no que concerne a ausência de filmes estrelados por super-heroínas.


"Ike Perlmutter [maior acionista da Disney na época] não acredita que alguém vá assistir a filmes estrelados por super-heroínas mulheres. Então, se eu ainda estiver aqui amanhã, você saberá que eu venci essa batalha." Expõe Ruffalo. O ator ainda complementa que "Kevin queria super-heróis negros, mulheres super-heroínas, super-heróis LGBT".


Sob este prisma, em 2015 a Marvel Studios se desvinculou da Marvel Entertainment, e se realocou como subsidiária do The Walt Disney Studios, o que atribuiu uma maior independência ao estúdio e permitiu que o produtor respondesse diretamente à Disney, dispensado do controle criativo e interferências de Perlmutter nas produções cinematográficas. Robert Iger, presidente da Disney, comprova os relatos de Kevin Feige em trecho de seu livro The Ride of a Lifetime, onde o empresário recorda os desgastes do produtor resultante de tentativas de desenvolver os filmes da Capitã Marvel e Pantera Negra no MCU, acarretando na ruptura dos setores. Iger ainda declara: "Estou no ramo há tempo suficiente para ouvir todos os argumentos do antigo livro e aprendi que os argumentos antigos são exatamente isso: antigos, e fora de sintonia com o mundo e onde deveria estar”.


Em consequência, no ano de 2016, Feige enuncia: “É definitivamente importante para nós que nossos filmes reflitam o mundo.”. E, em 2019, o presidente e chefe de criação da Marvel Studios, confirma a personagem Valquíria, como a primeira heroína LGBTQIA+ do Universo Cinematográfico da Marvel, aspecto a ser explorado no filme Thor: Amor e Trovão agendado para 2022.


Em contrapartida, ao refletir o discurso de Iger sob o ponto de vista e contexto mercadológico da indústria do entretenimento, fica em evidência a problemática do modo que estas representações serão expostas e desenvolvidas, visto que, conforme argumenta Carolyn Cocca em seu livro Superwomen: Gender, Power, and Representation: “existe dinheiro para ser feito, as empresas descobriram isso, através da inserção de diversidade — feitas nas margens.” (2016, p. 218).

LOKI:

ENTRE O ARTIFÍCIO NARRATIVO DA SÉRIE E A REPRESENTAÇÃO DO CAOS E FLUIDEZ DE GÊNERO E SEXUALIDADE


Os super-heróis e as super-heroínas são responsáveis por construir performances de gênero por meio do imaginário, por seus espectadores os compreenderem como manifestações que regulam a masculinidade e feminidade (SILVA; LÉON, 2018).


A representação social, portanto, consiste em sistemas simbólicos que auxiliam na construção de realidades, compartilhadas por interferência de imagens e conceitos expostos nas narrativas reproduzidas pelas mídias de massa que adentram o imaginário social dos espectadores, de maneira a serem refeitas e atualizadas conforme os intervalos de tempo e representar a visão do que se quer transmitir (COLLINS, 2019).


Tais representações atuam na produção de significados e identidades, relacionados ao tipo do indivíduo que faz uso de um determinado produto ou consome um dado bem cultural. No contexto da produção, o artefato ou produto cultural, assim como as identidades a ele relacionadas, são produzidos – tanto técnica quanto culturalmente – a fim de atingir os consumidores que se identificam com o produto.


No pronunciamento do presidente da Disney, Robert Iger, sobre a fusão da companhia com as divisões iniciais dos estúdios 21st Century Fox, ao definir a aquisição como uma maneira de traduzir “o aumento da demanda dos consumidores por uma rica diversidade de experiências de entretenimento, que são mais convincentes, acessíveis e convenientes do que nunca”, o empresário se refere ao conceito expresso acima da modernização das imagens e seus discursos, uma vez que, conforme enunciado por Jenkins (2009) anteriormente, as empresas midiáticas necessitam produzir seus conteúdos de acordo com a cultura participativa de seu público, agregando suas demandas.


Diante disso, previamente à contemporaneidade, a maioria das representações em relação às minorias se estabeleceu por meio de estereótipos e estratégias mercadológicas como tokenismo – quando a presença de um único personagem advém de uma inclusão simbólica dentro do grupo – e o queerbaiting – técnica utilizada para atrair membros da comunidade LGBTQIA+ a consumirem dado produto de entretenimento, sem de fato retratarem a realidade prometida ou a realizarem de maneira insignificante e medíocre. Em consequência, houve uma maior exigência por parte tanto dos espectadores em torno da temática de inclusão nas futuras produções do Universo Cinematográfico da Marvel, uma vez que até 2020, nenhum de seus personagens titulares foram introduzidos e enunciados como LGBTQIA+ em tela.


Resultado desta demanda, conforme mencionado anteriormente, fora a super-heroína Valquíria, que terá sua sexualidade desenvolvida no próximo filme do Thor e a possibilidade de encontrar sua rainha. No entanto, este anúncio ocorreu 2 anos após a cena em que sua bissexualidade é explorada ser cortada em Thor: Ragnarok (2017), filme em que a personagem é introduzida.


Dentro desse espectro, porém, outro personagem da Fase 4 pertencente à comunidade é o Deus da Trapaça, Loki.


Inspirado na mitologia nórdica, o personagem fez sua primeira aparição nos quadrinhos em 1962, e bem como no MCU, foi responsável pela união dos Vingadores. Nesta edição, os heróis – compostos por Homem de Ferro, Thor, Hulk, Homem – Formiga e Vespa – enfrentam Loki, que buscava vingança contra seu irmão Thor.


Imagem 01: Journey Into Mystery #85 | Reprodução

Imagem 02: The Avengers #1 | Reprodução

Sua história nos comics, portanto, é semelhante as do universo cinematográfico, visto que em ambas Loki é filho de Laufey, rei dos Gigantes de Gelo, um dos Nove Reinos da Mitologia Nórdica. Adotado por Odin desde criança, o Deus da Trapaça no decorrer de sua criação em Asgard, nutriu inveja devido a preferência de seu pai adotivo e dos demais asgardianos quanto a seu irmão, o que o fez querer estudar artes místicas e fazer uso de suas habilidades para derrotar o Deus do Trovão. Logo, o personagem se desenvolve nos quadrinhos como vilão, obtendo foco majoritariamente em sua função maléfica nas histórias.

Entretanto, tal desenvolvimento nas últimas décadas tem transitado para uma figura mais aprofundada e próxima de sua versão mitológica, a fase dos quadrinhos em que ocorre Ragnarok – o evento que causaria a destruição dos nórdicos e asgardianos – está à exemplificar isto. Nesta história, Loki retorna à vida em uma forma diferente da usual.


Publicada em 2008, em Thor Vol. 3, Lady Loki faz sua primeira aparição na Marvel.

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Imagem: Thor Vol. 3 #5 | Reprodução

Devido a sua personalidade ardilosa, Loki rouba o corpo da guerreira Sif para si nesta edição, a prendendo em uma senhora residente de um hospital. A partir de então, a personagem é tratada no feminino quando faz suas aparições nos quadrinhos, dado que dentro deste período, Loki apresenta diversas transformações, se mostrando cada vez mais confortável em seu corpo feminino, ainda que, como mestre de disfarces, fizesse uso deste recurso transformo para suas artimanhas.


Em razão da sua habilidade de fisicamente alterar seu gênero, a personagem se verificou como genderfluid. Por tradução literal, o termo significa “fluidez de gênero”, em que a identidade de gênero com a qual o indivíduo se identifica é fluida, em constante variação.


Na realidade fora dos quadrinhos, o entendimento do termo em uma sociedade em que tais indivíduos são incapazes de modificar sua aparência ao nível do alien fictício, se consolida com a identidade de gênero, a partir do qual se enxerga e com qual se identifica, independente das características físicas. Em função disto, compreender Loki como genderfluid meramente devido a sua habilidade mágica, a qual está presente em diversos outros quadrinhos, estaria equivocado (ASHER-PERRIN, 2014) – desavença esta que será destrinchada futuramente.


Em continuidade, outra forma de reencarnação do personagem foi sua versão Kid Loki, em que o Deus da Trapaça se torna menos cruel e maquiavélico, na tentativa de se libertar de seu passado e dos acontecimentos da Siege – quadrinho prévio onde ocorreu os devidos acontecimentos que causaram sua morte. Por efeito disto, em sua nova fase Kid Loki se junta aos Young Avengers, composto por Wiccano, Célere, Miss America, Hulkling, Gaviã Arqueira, e Rapaz de Ferro.


Imagens: Young Avengers #1 | Reprodução


Neste comic book, ao conversar com outro personagem, o Deus da Trapaça faz alusão à sua orientação sexual ao afirmar que “minha cultura não compartilha do mesmo conceito de identidade sexual que vocês. Existem atos sexuais, e é isso.” (GILLEN; MCKELVIE, 2014, p. 12, tradução minha).


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Imagem: Young Avengers Vol. 2 #15 | Reprodução


Com esta afirmação, Loki contraria a tendência da sociedade contemporânea de rotular as diversas noções de identidade – seja de gênero, sexual ou outra – em padrões preconcebidos. Dentro deste espectro, tal entendimento moderno em torno da sexualidade condiz com a leitura do personagem ser pansexual, o que vai ser reafirmado pelo autor Al Ewing na edição Loki, Agente de Asgard.


Esta versão transforma o personagem em um anti-herói que, apesar de seus impulsos maléficos e inclinações vilanescas, se torna identificável com seu público na sua busca de uma melhor variante de si mesmo.


Imagens: Loki: Agent of Asgard #1 | Reprodução

A partir deste quadrinho, a Marvel abordou em maior visibilidade a identidade e sexualidade do personagem, visto que há diversos momentos em que se demonstra o entendimento da fluidez de gênero de Loki. A exemplo disto, esta a cena em que Loki e outra personagem da história, Lorelei, estão tentando escapar por um portão impenetrável, considerado impossível de abrir de fora sem a chave, devido a isto, Lorelei sugere que Loki se transforme em uma mosca para atravessar o buraco da fechadura. No quadro seguinte, a personagem alega que em função de seu poder estar enfraquecido, não seria tão simples e que a transformação teria um custo.


Todavia, Lorelei observa a alteração de aparência masculina para feminina realizada entre os dois quadros e Loki a interrompe afirmando: “Oh, eu posso me transformar em mim mesmo. Isso não é um problema. Eu posso me transformar em qualquer coisa desde que seja eu.” (EWING; GARBETT, 2014, p. 11, tradução minha)


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Com isto, Loki declara que ambas as formas pertencem a sua identidade, o que faz com que não demande tanto de seu poder, visto que não é algo fora do usual de sua realidade, como exposto acima.


Nas mídias subsequentes em que Loki se faz presente, tais concepções acerca de seu gênero e sexualidade são mencionadas, como em Thor e Loki: O Décimo Reino, publicado em 2014, onde se estabelece que a Lady Loki pertence as diversas personalidades contidas no Deus da Trapaça, do mesmo modo que suas versões criança e viking.


Conforme havia sido mencionado anteriormente, a capacidade de transformação de Loki advém da sua figura divina nórdica em que se foi inspirada, uma vez que em diversos mitos a personagem assumia outras formas tanto de gênero quanto de espécie – sendo a história mais famosa na mitologia dentro deste espectro, a que se transforma em uma égua para defender do cavalo ‘Svaldilfari’, o qual pertencia ao homem que havia construído as muralhas ao redor de Asgard. Portanto , as concepções acerca de sua personalidade e identificação são precedentes às expostas nas histórias da Marvel, advindas de temas influenciados por uma determinada cultura e época e produzidas de acordo com questões atemporais relativas ao ser humano.


Atualmente, os quadrinhos de super-heróis e suas transmídias configuram uma forma de mitologia moderna, relacionada às questões contemporâneas em torno de pautas sociais, utilizando-se de personagens extraordinários e abordagens modernas na maneira em que são realizadas e expostas.


Como enunciado previamente, a mídia exerce uma determinada influência na construção de reflexões e conceitos a partir das imagens narrativas que adentram o imaginário do telespectador, e em vista disto, traduz meios de identificação com e para certos grupos existentes, dos quais, devido a visibilidade apresentada, obtém uma forma de reconhecimento acerca da identidade e sexualidade desses indivíduos.


No Universo Cinematográfico da Marvel, a série Loki, uma das primeiras produções da Fase 4 a ser exibida, confirmou a fluidez de gênero do personagem em um teaser do qual mostrava uma ficha cadastral de Loki, com o campo de gênero preenchido como fluido.


O ator que interpreta o Deus da Trapaça, em uma entrevista declarou que o gênero fluido de Loki “sempre esteve presente nos quadrinhos e na história do personagem por centenas, senão milhares de anos”, e ainda complementa que desde o início esteve ciente da amplitude e a gama de identidade presentes no personagem e o quão importante era representar isto na série, o que corrobora com a revelação do roteirista Michael Waldron: “Eu sei quantas pessoas se identificam com Loki em particular e estão animadas por essa representação, especialmente com este personagem”.


A diretora Kate Herron, por outro lado, discorreu sobre as características de Loki na cultura nórdica e a construção da figura divina na Marvel Comics, que retratou diversas versões, como a Lady Loki.

“Eu diria que os detalhes estão inseridos na história, mas é algo que reconhecemos. Ele tem gênero fluido na mitologia nórdica e nos quadrinhos, então sentimos que era algo importante de fazer, como dizem, ser parte do cânone” afirma a diretora em entrevista.


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A série é ambientada logo após Loki roubar o Tesseract dos Vingadores, como visto em Vingadores: Ultimato (2019), e ser levado em custódia diante à Autoridade de Variação Temporal (TVA), uma organização existente fora dos limites do espaço-tempo. Devido ao seus crimes contra a Sagrada Linha do Tempo, Loki se encontra forçado a escolher entre ser apagado da realidade, ou auxiliar a TVA na captura de uma maior ameaça. Por se tratar de um Loki com a mentalidade e caracterização entrada no primeiro filme dos Vingadores, em 2012, o enredo da série se baseia na jornada do personagem quanto a busca do autoconhecimento e amor próprio. Dessa forma, com o intuito de manifestar este conceito, o roteirista principal criou a personagem de Sylvie, uma variante feminina de Loki, uma vez que Waldron relata que a história “é sobre descobrir quem você é, de certa forma, e também sobre identidade”.


Por efeito de seus poderes mágicos, conforme mencionado previamente, Loki apresenta a habilidade de alterar visualmente de gênero como maneira de expressar sua fluidez, tal qual foi visto em suas histórias em quadrinhos.


Todavia, o conceito de gênero fluido no mundo real se dá através da identificação e processos de modificações por vezes, sem obedecer regras ou tendências específicas, ocorrendo por diversos fatores e variados períodos de tempo. Em consequência, conclui-se que a fluidez de gênero não se refere a características físicas, mas com o que o indivíduo se identifica e a partir do qual se enxerga. Deste modo, considerar um personagem fictício como gênero fluido apenas devido a esta capacidade estaria incorreta, uma vez que indivíduos reais são incapazes de transitar fisicamente entre os gêneros, alterando sua aparência física conforme suas vontades em questão de segundos.


Em decorrência disto, utilizar esta pauta como um artifício narrativo à maneira de representar este grupo sem o devido desenvolvimento e ilustração de sua realidade, faz com que não seja gênero fluido de maneira alguma, porque ao manifestar tal característica na série Loki, por meio da variante feminina do Deus da Trapaça, em um indivíduo inteiramente separado (Sylvie), ao invés de expor como pertencente de sua personalidade em um mesmo corpo a representação foge do conceito.


Diante disto, houveram repercussões dentro e fora do fandom em relação a personagem da Sylvie e a sub-representação de fluidez de gênero, além de seu contraditório desenvolvimento e caracterização no decorrer da série.


A exemplo disto, a diretora Kate Herron relatou em uma entrevista ao Polygon que:


Minha interpretação é que os dois são Lokis, mas eles não são a mesma pessoa. Não os vejo como irmãos também. Eles têm origens completamente diferentes… e acho que isso é bem importante para Sylvie. Eles meio que têm o mesmo papel em termos de universo e destino, mas eles não tomam as mesmas decisões. A série olha para si mesma e pergunta ‘o que nos torna nós mesmos? (HERRON, 2021)



Em contrapartida, a diretora confirma que Sylvie em parte, “é uma Loki feminina”, visto que a TVA alegou nos primeiros episódios ser uma variante de Loki que estão rastreando. Porém, apesar de pequenas referências, Sylvie não apresenta semelhança alguma com a Lady Loki, o que Herron corrobora em entrevista:


"A principal coisa que eu diria é: Lady Loki nos quadrinhos é uma personagem muito diferente da nossa, obviamente. Eu amo essa personagem e acho que ela tem uma jornada muito diferente. Mas nossa Sylvie é uma mulher Loki, nesse sentido - porque nos episódios 1 e 2, eles sabem que é um Loki que estão rastreando - mas acho que isso é parte da discussão. É quase como Loki - como no Loki do Tom - ele fica tipo, "Espere, quanto de minha vida você tem? Quem é você?" E eu acho que a verdadeira questão é: quem é ela? Então, vamos discutir isso enquanto o show continua. Por que ela não gosta de ser chamada de Loki? Qual é o passado dela? De onde ela veio?" (HERRON, 2021)

Como consequência, a proposta de amor próprio e autoconhecimento da série se deram a partir do polêmico e ambíguo romance entre Loki e Sylvie. Segundo Michael Waldron, tal ideia o atraiu devido ao fato de que, para ele, existe uma lógica de autorreflexão, uma vez que a série girar em torno das tentativas de Loki em enxergar as partes de si. Para o roteirista chefe, o personagem compreende Sylvie como alguém em uma cruzada heróica, e a partir do bem que é visto nela, Loki adquire a capacidade de avistar o bem nele mesmo.


A identidade de gênero, para Louro (1997), se refere à identificação dos indivíduos como masculinos e femininos, dentro de um determinado contexto histórico e social, enquanto a identidade sexual se relaciona à forma como os sujeitos experienciam suas sexualidades. Enquanto o primeiro está associado com a maneira da qual os indivíduos enxergam a si mesmos, o segundo faz alusão ao modo com que estes sujeitos se relacionam independente do sexo.


Tal qual “gênero” e “sexo” se mostram complementares, estes conceitos referentes à identidade se encontram de forma conexa, uma vez que “sujeitos masculinos ou femininos podem ser heterossexuais, homossexuais, bissexuais” (LOURO, 1997, p.27). Em virtude disto, os indivíduos enquanto corpo pleno, possui tanto uma identidade de gênero quanto de sexualidade.


A inscrição dos gêneros – feminino ou masculino – nos corpos é feita, sempre, no contexto de uma determinada cultura e, portanto, com as marcas dessa cultura. As possibilidades da sexualidade – das formas de expressar os desejos e prazeres – também são sempre socialmente estabelecidas e codificadas. As identidades de gênero e sexuais são, portanto, compostas e definidas por relações sociais, elas são moldadas pelas redes de poder de uma sociedade. (LOURO, 2000, p. 9)


A partir deste discurso, a autora argumenta contra a concepção de denominar e justificar a distinção entre os gêneros apenas por meio da biologia, uma vez que estas são construções sociais de caráter mutáveis, compreendidas como plurais e transitórias, dependentes do contexto histórico-social em que estão inseridas.


Em seu livro “A Identidade Cultural na Pós-Modernidade”, Stuart Hall destaca que “a questão da identidade está sendo extensamente discutida na teoria social” (p, 7). Esta ocorrência se daria porque, segundo o autor, as identidades anteriores demonstram em declínio, proporcionando a emergência de novas identidades, as quais permitem grupos minoritários de realizarem manifestações acerca do modo pelo qual são representados.


Hall (2006) discorre ainda que, há portanto, um duplo deslocamento do sujeito, tanto de si mesmo quanto de seu lugar no mundo social e cultural. Desse modo, o indivíduo pós-moderno é composto por múltiplas e móveis identidades, as quais são comumente discordantes e alteradas de modo contínuo, diante das interpelações e representações realizadas ao indivíduo nos sistemas culturais.


O deslocamento e efemeridade das identidades empreendem desconcertamento ao indivíduo, porém, concebe amplas possibilidades de construção acerca da identidade, das quais viabilizam a diversidade cultural e social. Por conseguinte, a crise identitária se altera conformemente, em uma dinâmica de processo de identificação com caráter efêmero, complexo e mutável. À vista disto, os sistema de significação e representação cultural se pluralizam, de maneira que o indivíduo se relacione com uma infinidade variável de identidades possíveis com as quais este pode identificar-se, ainda que provisoriamente (HALL, 2006).


Como consequência, pautas identitárias e de representações sociais obtiveram maior discussão e participação na construção de produtos e enredos dentro das mídias, como enunciado previamente. Por efeito desta ascensão, a indústria do entretenimento teve que se alterar para acomodar o expressivo crescimento da cultura participativa de seus consumidores, conforme Jenkins (2007) havia afirmado.


Retorno ao ponto central, à exemplo da série, em uma cena do episódio “Lamentis”, o protagonista afirma a sua bissexualidade em um diálogo com Sylvie e a torna cânone no Universo Cinematográfico da Marvel, fazendo com que o Deus da Trapaça seja o primeiro personagem titular do MCU à pertencer a comunidade LGBTQIA+.


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Após o lançamento do episódio acima, Lamentis, Kate postou em seu Twitter:

Desde o momento em que entrei para Loki, foi muito importante para mim, e meu objetivo era reconhecer que Loki é bissexual. É uma parte de quem ele é e de quem eu também sou. Sei que é um pequeno passo, mas estou feliz, e [meu] coração está tão cheio em dizer que agora [Loki] é bissexual no [MCU] (HERRON, 2021).


Este discurso da diretora entra em concordância com o vinha afirmando desde então quanto a sexualidade de Loki na série, uma vez que por pertencer a comunidade LGBTQIA+, Herron via a necessidade de representatividade e inclusão no MCU. Em uma entrevista com a Collider, Kate explica que: “A gente queria trazer a tona de forma correta. Nós queríamos dar um senso de normalidade à discussão, e por isso que incluímos aquela frase [um pouco dos dois]. Fiquei muito orgulhosa que conseguidos”.


Entretanto, a representatividade, por sua vez, apenas ocorre de fato quando, dentro de um determinado contexto – como um produto midiático por exemplo – o indivíduo cria relações de afinidade ao descobrir no meio, um símbolo que expresse suas ideias e conceitos, e sua própria identidade.


À maneira como a Marvel retratou a temática da diversidade na série Loki, conclui-se que, majoritariamente, a inserção e expansão imposta de modo a contemplar a inclusão da comunidade LGBTQIA+ no MCU, se confirma como produto de marketing advindo da cultura participativa dos fandoms e demais espectadores.


Conform Jenkins (2009), fandom é um termo utilizado para se referir à subcultura dos fãs, caracterizada pela solidariedade e afeição com outros que compartilham dos mesmos gostos e interesses. No entanto, além disto, é possível se manifestar devido ao “do equilíbrio entre o fascínio e a frustração: se a mídia não nos fascinasse, não haveria o desejo de envolvimento com ela; mas se ela não nos frustrasse de alguma forma, não haveria o impulso de reescrevê-la e recriá-la” (JENKINS, 2009).


No entanto, apesar da Marvel Entertainmnent ter em seu arsenal um histórico de apresentação imagética com narrativas em que suas protagonistas e demais figuras de heróis representaram-se por homens brancos, heterossexuais e cis em seus quadrinhos, e por consequência, a convergência da transmídia reproduzir este padrão de imagens e configuração de personagens, perpertuando tal modelo predominante, em razão das repercussões do público e debates acerca de uma maior representatividade na indústria cinematográfica e televisiva, implica-se que haja uma necessidade mercadológica quanto a abertura de espaços voltados para inclusão e representatividade, tanto no cinema quanto nos quadrinhos, uma vez que estas narrativas se concretizaram apenas recentemente, com uma maior noção de visibilidade a partir de personagens como Lady Loki por exemplo, produzida em 2008.


Devido ao momento político-social contemporâneo, de percepção e reconhecimento em torno de pautas de grupos historicamente marginalizados, impulsionou-se questionamentos quanto as sub-representações em filmes, séries e demais mídias.


Em Loki, a sub-representação acerca da identidade e sexualidade do protagonista, se aproxima do artifício narrativo e estratégia mercadológica do queerbaiting, uma técnica, como mencionado previamente, utilizado para atrair espectadores LGBTQIA+ a consumirem determinado produto de entretenimento, ao sugerir a presença de personagens da comunidade na mídia, porém sem haver comprometimento do estúdio em retratar tal realidade. Dessa maneira, ainda que esteja ausente a concretização da representatividade prometida ou a realização do desenvolvimento de modo não tão estigmatizado, os produtores, entretanto, lucram com o conteúdo, enquanto o público se descontenta com o que constantemente busca da Marvel Studios efetuar em seus projetos.


Todavia, da mesma maneira em que se constrói um filme por meio de sobreposição proposital de imagens, a Disney e o mercado cinematográfico como um todo compreendem como esta construção de imagens junto de sua contínua exposição, afetam as chances de sucesso da empresa no futuro da indústria de cinema, resultando em propostas nas transposições fílmicas das histórias em quadrinhos – ainda que timidamente nas margens – de procurar desconstruir determinados modelos predominantes nas produções, e imaginar novas possibilidades imagéticas dos personagens heroicos.


Numa entrevista dada ao jornal Clarín, da Argentina, em novembro de 2020, a Vice-Presidente da Marvel Studios, Victoria Alonso ao ser questionado sobre a inclusão de gênero no MCU, afirmou:


Nossos filmes, nossos quadrinhos e nossos personagens são vistos em todas as partes do mundo, não em um setor, não em um país, nem uma província, nem um estado não, não, não. Você não pode ter o sucesso que o mundo nos deu sem ter uma audiência global. Portanto, incluir todos é algo que temos que fazer e é algo que considero muito importante que continue em vigor. Não é você apenas fazer um filme com uma personagem feminina, um filme com uma personagem afro-americana. Temos que ser consistentes em representar a nós mesmos e ao nosso público ao longo de nossa Fase 1, 2, 3, 4 ou 25. (ALONSO, 2020)


Tal posicionamento implica reflexões quanto aos personagens e suas representações nas produções midiáticas da Marvel. Ainda que em consideração com o contexto mercadológico e o avanço das discussões de pautas sociais voltadas à gênero e sexualidade, Kevin Feige havia declarado a importância de seus conteúdos refletirem o mundo, do mesmo modo que Robert Iger argumenta que posicionamentos como os de Ike Perlmutter estão “fora de sintonia com o mundo e onde deveria estar”. No entanto, o que se transmite no conjunto imagético de Loki, é a sub-representação da realidade deste mundo, com a diversidade inserida nas margens.


Portanto, conforme enuncia Fransnelli: “do mesmo modo em que as identidades são fluídas e mutáveis, é importante que as representações acompanhem essa evolução”. (2018, p. 29-30).

VIÚVA NEGRA:

A SMURFETTE DOS VINGADORES E SÍMBOLO SEXUAL NERD

Frente à representações sociais, compreende-se a discussão acerca das problemáticas noções de representatividade e identificação, bem como sua circulação e modos de atravessamento na vida social referente, sobretudo, ao público feminino e sua visão de si, como modo de explicitar a pertinência das construções ficcionais para a realidade, em destaque com a relação de visibilidade de grupos sociais minoritários.


Segundo Hall (2016), representações sociais são maneiras de exprimir, traduzir, significar ou simbolizar as coisas – sejam elas reais ou fictícias concretas ou abstratas –. A representação social, à vista disso, se apresenta como um processo cultural, do qual envolve técnicas de significação e sistemas simbólicos que produzem significados, pelos quais os indivíduos expressam sentido à sua experiência, ao que são e ao que podem vir a ser, em outros termos: suas identidades individuais e coletivas.


Desse modo, destaca-se a dimensão dos discursos e sistemas de representação, bem como sua importância para a construção de locais a partir dos quais os indivíduos são capazes de se posicionar. Dentro deste vínculo entre representações e a construção de ideias e comportamentos, a relação estabelecida entre as representações sociais e a comunicação, sob a perspectiva dos meios de comunicação em massa, se faz notória, uma vez que a mídia exerce função indispensável na formação do imaginário coletivo e das identidades individuais.


Ademais, a identidade é entendida como uma construção social, um processo de produção, uma relação ou um ato performativo (SILVA, 2000, p.96). A identidade, portanto, se faz dependente deste conceito, ao contrário de unificar, significar a semelhança e se opor à diferença. Estas, por consequência, estão intrinsicamente conexas às estruturas discursivas e imagens narrativas, advindas do processo de produção ou criação simbólica no contexto das relações culturais e sociais (SILVA, 2000).


Dessa forma, a identidade e a diferença se encontram impostas, hierarquizadas e disputadas, uma vez que a identidade está associada a sistemas de representação, com estreitas conexões com vínculos de poder. Sob este prisma, fica em evidência o conceito de representação social, dado que este se relaciona com a produção, contestação e entendimento das identidades.


Frente à isto, no que diz respeito às mulheres, estas no decorrer dos anos sofreram sub-representação dentro da indústria cinematográfica e demais veiculações midiáticas, recorrentemente vistas como uma figura hipersexualizada e sob a perspectiva de estereótipos, ainda que, a exemplo disto, os filmes de super-heróis se transformaram em um fenômeno capaz de, conforme exposto previamente, influenciar na construção de conceitos e da fundamentação e rompimento de estereótipos relacionados ao gênero, havendo, portanto, tentativas de subversão deste cenário.


Em análise da representatividade de gênero dentro do Universo Cinematográfico da Marvel, observa-se que as personagens femininas introduzidas anteriormente a Capitã Marvel, exibem representações estereotipadas nas produções – ainda que, por vezes, apresentam nuances de representação social – e, por fim, desempenham função imprescindível de identificação em suas caracterizações, ao mesmo tempo em que impõe desiguais escalas de dominação.

Para uma audiência masculina branca, espelhada nos super-heróis do MCU, tais imagens representadas em tela enfatizam as concepções transmitidas de inteligência, luta e liderança, enquanto para o público feminino, o conjunto imagético traduz os conceitos de, em sua maioria, irrelevância, subjugação e coadjuvação nas histórias.

Esta objetificação das mulheres no cinema se dá por consequência do olhar masculino e heteronormativo encontrado na produção e direção da indústria, ainda que o público alvo de suas obras cinematográficas não seja exclusivamente do gênero masculino. Porém, em decorrência da falta de personalidades femininas nos bastidores das produções audiovisuais, estas resultam em narrativas de sub-representação (DUTRA, 2017). A cineasta Laura Mulvey explica, portanto, que homens e mulheres são representados de formas distintas, tanto nas telas quanto da indústria, com as mulheres comumente consideradas como “objetos” enquanto personagens masculinos conduzem a ação narrativa da produção (MULVEY, 1999).

A principal personagem feminina dentro do Universo Cinematográfico da Marvel a apresentar caracterização conforme o exposto acima é a Viúva Negra.


Introduzida filme após filme, a heroína configurou-se a partir de uma lente masculina, devido ao fato das equipes de direção e roteiro serem compostas inteiramente por homens. Em detrimento disto, Natasha Romanoff é representada nas produções de maneira extremamente sexualizada, sem vida fora do trabalho de espiã e sofre do “princípio da Smurfetter”, um tipo de representação comumente utilizado no audiovisual e na cultura pop de uma personagem feminina privilegiada e tokenizada num grupo com os demais participantes masculinos, de modo que sua principal característica seja simplestemente “ser a mulher” (COCCA, 2016, p. 35).


A sua caracterização tokenizada é explicada a partir do conceito de tokenismo, que surgiu no final da década de 1950, nos Estados Unidos, durante a luta negra por direitos civis:


É uma prática recorrente nos meios onde as opressões estruturais, de raça e gênero, são alvo de um trabalho crítico de conscientização e reivindicação para que grupos minoritários consigam acessar direitos que lhes são negados, concentrando nas mãos de poucos o que chamamos de privilégio social. (BERTH, 2020)


Conforne enuncia Berth, sua execução consiste em mascarar o racismo (ou machismo, como neste caso) promovendo uma inclusão desproporcional, com a afirmativa de que a inclusão e diversidade estão inseridas na produção, entretanto, não representam efetivamente o todo excluído, segregado e discriminado, mantendo assim as desigualdades nos mesmos índices em que se apresentam. Este mecanismo, por fim, apenas perpetua as desigualdades raciais e de gênero, devido a falsa representatividade nos espaços de decisão e poder expostos (BERTH, 2020).


Além do tokenismo, outro aspecto marcado pela performatividade de gênero, se da pelo fato da atriz que interpreta Romanoff, Scarlett Johansson, ser popularmente descrita pela imprensa como símbolo sexual de Hollywood. Tal relação de imagem pública da atriz com a personagem se explorou desde o início nas produções do MCU. A exemplo disto, estão os trajes apertados, ângulos e focos de câmeras escolhidos pelos diretores centralizados em curvas, composição de roteiros controversos e posters de divulgação dos filmes em que obteve aparições.


A cineasta Mulvey busca na teoria psicanalítica os fundamentos para uma profunda crítica da imagem – em especial à produzida no contexto do cinema hollywoodiano – como produto da predominância do olhar masculino (male gaze), em que equivaleria a imagem da mulher como objeto passivo do olhar. A teoria psicanalítica entra em uso de modo a ser uma “arma política” para desmascarar as maneiras como “o inconsciente da sociedade patriarcal ajuda a estruturar a forma do cinema”. (MALUF; MELLO; PEDRO, 2005, p. 345)Logo, será explorado e analisado as representações desta personagem através do conceito de male gaze sistematicamente enfatizado nas imagens e a maneira em que influencia sua caracterização.


Previamente à sua estreia no cinema, Natalia Alianova “Natasha” Romanoff, conhecida como Viúva Negra, obteve sua primeira aparição nos quadrinhos em 1964, na edição Tales of Suspense, como uma espiã russa e antagonista do Homem de Ferro.


Imagens: Tales of Suspense #52 | Reprodução


Criada por Stan Lee e Don Heck, a história da Viúva Negra nos quadrinhos se assemelha com a representada no Universo Cinematográfico da Marvel, uma vez que Natasha apresenta nos comics excelência em artes maciais, dança, ginástica, estudo de línguas, entre outras áreas – características vislumbradas nos filmes.


Durante a Segunda Guerra Mundial, Natasha ingressa no Programa Militar das Viúvas Negras – adquirindo o mesmo codinome – afim de treinar com o intuito de se tornar uma agente secreta. Uma de suas missões era a de encontrar e assassinar o cientista foragido da URSS Anton Vanko, e por efeito disto, a personagem infiltra as Indústrias Stark, a fim de roubar planos e armas, da mesma forma que obteve o dispositivo anti-gravidade após um envolvimento com Tony Stark (Homem de Ferro).


Com a finalidade de prejudicar as indústrias de Stark, Natasha se envolve com o Gavião Arqueiro, com quem requisitou ajuda. Embora não tenham sucedido, os personagens adentram um romance e a Viúva Negra foge pela primeira vez para os Estados Unidos. Posteriormente, a personagem é capturada pelos soviéticos e sofre sua primeira lavagem cerebral neste período.


No decorrer dos anos, Romanoff transitou recorrentemente entre as oposições, em detrimento das múltiplas lavagens cerebrais e propósitos pelos quais vivenciou, até desertar de vez a União Soviética e juntar à SHIELD – agência governamental de inteligência e espionagem – e, posteriormente, aos Vingadores.



No Universo Cinematográfico da Marvel, porém, Natasha Romanoff foi introduzida no filme Homem de Ferro 2 (2009) como agente da SHIELD sob o falso nome “Natalie Rushman” e representante legal das Indústrias Stark, responsável pela transição burocrática de CEO, e como consequência, futuramente desempenha a função de assistente pessoal de Tony Stark – previamente ocupada por Pepper Pots.


Logo em sua primeira aparição cênica, ocorre uma condução de ar misterioso e sexy envolta de Natasha, com enquadramentos e focos de câmera que a objetificam juntamente ao seu figurino aberto o suficiente para destacar os seios de Romanoff.


Tal direção é vista no decorrer de toda produção cinematográfica, havendo captação de suas costas em plano médio, de modo que seja possível observar suas curvas e bunda. Igualmente, ao ser revelado sua identidade como agente da SHIELD, Natasha adentra a cena com a câmera enquadrada em suas costas e um traje de combate apertado de maneira extrema.


Todavia, no que diz respeito ao uniforme, este é fiel de certa forma com o original criado pelos quadrinhos em 1964.


Em continuidade, próximo ao final da produção, quando Natasha está oficialmente em missão como Viúva Negra para impedir que Ivan Vanko – vilão do filme – transcorre outra cena em que o olhar masculino se faz presente, quando a mesma está trocando de roupa no banco de trás do carro. Ainda que dialoguem brevemente sobre a estratégia de ação a ser realizada, não é um acontecimento necessário, uma vez que não há acréscimo na história a partir dele.


Sob este prisma, a função narrativa da cena que se conclui é a de mostrar uma semi nua Scarlett Johansson para os espectadores, o que reforça a imagem de símbolo sexual da atriz.


Por outro lado, apesar dos dilemas acerca do enquadramento e sexualização, a obra cinematográfica demonstra de maneira nítida que Romanoff é mais eficiente que todos os personagens masculinos apresentados, ao incluir uma sequência de cena em que a mesma entra em ação sozinha contra onze guardas homens, em uma pequena nuance de representatividade.


Após a descoberta de sua ocupação como espiã da SHIELD, fica explícito o fato de seu comportamento anterior fazer parte de uma encenação a fim de obter informações e avaliar Tony, como Homem de Ferro e candidato para a “Iniciativa Vingadores”, um grupo de indivíduos extraordinários capazes de lidar com ameaças fora do alcance do restante da humanidade.


Este artifício de manipulação e enganação de terceiros, é uma das habilidades de maior destaque da personagem, advinda desde os quadrinhos. No entanto, tal capacidade é utilizada de maneira extensa na cultura pop contemporânea envolta de personagens femininas, por haver um consenso na sociedade de que emoções, de modo geral, são características femininas “natas”. Em Vingadores (2012), Natasha faz uso disto de maneira direta com Loki – vilão do filme – ao interrogá-lo.


Até então, os exaustivos artifícios narrativos apresentados na interrogação remetem a estereótipos já esperados, como a disposição da Viúva Negra em pôr a missão em risco devido a um homem, e sofrer violência verbal do vilão, o que resulta no abalo emocional da personagem.


Entretanto, conforme Loki alega que quem trouxe o monstro foi Natasha, em referência ao Hulk, Romanoff apenas vira o rosto e responde: “Então o Banner? Essa é a sua jogada” e informa a equipe pelo comunicador que Loki está planejando soltar o Hulk. Apesar da nuance de representatividade feminina, em que a interpretação foge do padrão de “donzela em perigo”, a caracterização de Natasha não foge, porém, do estereótipo da “espiã sexy”, no qual faz uso recorrente de seu corpo e aparente ingenuidade como maneira de manipulação, concluindo-se que, ainda sim, tal evento não apresenta uma subversão do sistema.


O filme Capitão América: Soldado Invernal (2014), dentro da Fase 2, é o que ocorre maior desenvolvimento de Natasha Romanoff, uma que esta presente em sua representação um humor afiado e casual em momentos mais despojados da produção. No entanto, o estereótipo de “espiã sexy” em que a personagem parece estar fundamentada na visão dos diretores continua presente.


Devido ao seu histórico com o KGB, ao ser revelado que Hydra – organização terrorista com ideologias nazistas – esta infiltrada na SHIELD desde o final da Segunda Guerra Mundial, Natasha se encontra em um conflito moral, ao perceber que o que havia lutado até então em nome da agência, estava em desacordo com o que Romanoff tinha em vista.


Assim, Natasha Romanoff apresenta um papel de maior importância do que visto anteriormente, ainda que como personagem secundária e suas ações relacionadas à missão do Capitão América em derrotar Hydra, apesar de ir em concordância com os princípios expressos por Steve.


Em continuidade, no filme seguinte do time intitulado Vingadores: Era de Ultron (2015), sua caracterização como vista previamente é descartada em prol de uma tentativa de romance entre Natasha e Bruce.


Com isto, ainda que a produção cinematográfica mostre flashbacks de sua época de treinamento na Sala Vermelha, sua função narrativa é conduzida de modo problemático desde o início.


Na graduação do Programa de Viúvas Negras, as espiãs sofrem o procedimento de esterilização, como ritual para se tornarem eficientes em suas missões, uma que segundo a personagem a possibilidade de vivenciar um futuro normal seria “a única coisa que poderia importar mais do que uma missão”, e ainda complementa “ainda pensa que você é o único monstro da equipe?”. Tal discurso, por ter sido realizado sob uma visão masculina, faz alusão na imagem do papel que a mulher representa na sociedade por esta perspectiva de não possuir valor devido a incapacidade de se encaixar nestas expectativas sociais – questão esta que será rebatida na produção solo da Natasha Romanoff.


Em Guerra Civil, a representação da Viúva Negra se manifesta de modo diplomático, em busca de impedir enfrentamentos tanto com os demais integrantes dos Vingadores quanto com o governo americano. No entanto, após as ocorrências no decorrer do filme, Natasha se torna uma fugitiva ao lado do Capitão América, Falcão e Feiticeira Escarlate, ainda que tenha se mantido autêntica às suas motivações como heroína: querer ajudar a proteger o mundo seja de ameaças humanas ou extraterrestres.


No fim de Vingadores: Guerra Infinita, Thanos obtém sucesso em juntar as Jóias do Infinito e eliminar 50% dos seres vivos do universo. Por efeito disto, mais da metade dos super-heróis apresentados até então no universo cinematográfico morrem – ainda que não estejam de fato mortos.


Em detrimento disto, nas cenas iniciais de Vingadores: Ultimato, os heróis restantes se reúnem novamente em busca de Thanos na tentativa de reverter a ação causada pelas Pedras do Infinito. Entretanto, ao encontrarem o titã, descobrem que o próprio destruiu as Jóias, impossibilitanto os Vingadores de realizar seus planos. Após este acontecimento, 5 anos se passam e vislumbra-se a maneira como os personagens estão lidando com a consequência do estralo de Thanos.


Sem remanescentes da SHIELD, e de outras organizações de inteligência e combate às ameaças, Natasha assume a liderança dos Vingadores e orienta os demais heróis que não se aposentaram, como Tony Stark, e/ou desistiram de lutar, como Steve Rogers.


Por se sentir responsável pelo ocorrido e na obrigação de encontrar uma solução, Natasha apresenta o reflexo deste peso emocional e da função que vem atuando nos últimos anos em sua representação.

Ainda no início do filme, a personagem dialoga com o Capitão América sobre superar o acontecimento e responde: “Eu não tinha nada. E aí ganhei isso. Esse trabalho. Essa família. Tornei-me uma pessoa melhor por isso. E apesar deles terem ido embora… ainda estou tentando melhorar.” Este discurso se mostra importante, futuramente, para compreensão do final controverso de Natasha.


Ao surgir uma nova chance de reverter as ações de Thanos com o aparecimento de Scott Lang – Homem Formiga – após ter acidentalmente mantido preso no Reino Quântico, os Vingadores se reúnem outra vez, e arquitetam um plano denominado Time Heist (Assalto Temporal em tradução minha) para adquirir as Jóias do Infinito em diferentes pontos do passado. Separados em equipes, Natasha e Clint Barton – Gavião Arqueiro – vão em busca da Jóia da Alma, onde previamente em Guerra Infinita, Thanos matou sua filha adotiva Gamora para obtê-la.

Em Vormir – planeta onde se encontra a Jóia – , Natasha e Clint descobrem que a Pedra da Alma requer um sacrifício para ser adquirida. O indivíduo deverá realizar uma troca eterna de uma alma por outra, na perda do que ama.

Clint se oferece como sacrifício devido aos horrores cometidos nos últimos anos, de assassinatos de criminosos como maneira de compensar pela morte de sua família e dos demais inocentes causadas por Thanos.


Natasha, entretanto, acredita que seja dever dela, afirmando: “Há 5 anos tento fazer uma única coisa. Chegar até aqui. Foi tudo só para isso. Trazer todos de volta.” Clint aparenta se convencer do argumento dela, porém em seguida pede a Natasha que “diga a minha família que eu os amo.”Contudo, Romanoff responde à ele que “diga você mesmo.” e corre em direção ao penhasco. Ainda que Clint a tenha impedido, Natasha, no final, se sacrifica.


Apesar de suas ações irem à concordância com as motivações da personagem determinadas previamente, a sequência de cena reflete no entendimento da indústria acerca do papel de suas super-heroínas.


Embora tenha sido escolha da Natasha trocar sua vida pela de bilhões, fica em destaque aqui, o fato de no decorrer da Saga do Infinito, a Viúva Negra ser a única heroína significativa nos filmes, a que mais sofreu objetificação e sexualização, e devido ao roteiro masculino de Era de Ultron (2015), ter se intitulado como “monstro” por ser infértil, sem desenvolvimento algum além da vida de agente, para na conclusão de seu arco, a produção priorizar um homem com família convencional em seu lugar.

Na semana de estreia do longa-metragem, o New York Times entrevistou os diretores e roteiristas. Dentre as perguntas, estava: “Houve um possível desfecho em que Clint Barton se sacrificaria em vez dela?”.

Houve, com certeza. Jen Underdahl, nossa produtora de efeitos visuais, leu um esboço ou rascunho onde o Gavião Arqueiro aparece. E ela disse ‘Não tire isso dela’. Na verdade, fico pensando emocionalmente sobre isso. (McFEELY, 2019).


E era verdade, ele levando o golpe por ela, seria melodramático para ele morrer e não ter sua família de volta. Foi justo e apropriado que ela tenha terminado aquilo. (MARKUS, 2019)

Ainda que os diretores tenham sustentado que a temática do filme são sacrifícios, para a maioria da audiência esta mensagem concorre com a anterior, de Guerra Infinita, visto que Steve Rogers argumenta com Visão que “nós não trocamos vidas”, quando o mesmo oferece que o sacrifiquem para destruir a Jóia da Mente inserida dentro de si, o que torna a questão controversa.

Ainda nesta entrevista, ao questionar o motivo do qual a Natasha tinha que morrer:

Sua jornada, em nossa opinião, tinha que chegar ao fim caso ela conseguisse reunir os Vingadores novamente. Ela tem um passado abusivo e terrível, cheio de controle mental. Então quando ela chega a Vormir e tem a chance de restaurar sua família, isso é algo pelo qual ela trocaria sua vida. A coisa mais difícil para nós é pensar que as pessoas não teriam tempo o suficiente para ficarem tristes. As apostas ainda estão lá e eles ainda não resolveram o problema. Mas perdemos uma grande personagem – uma grande mulher. Como nós a honramos? Nós temos essa coisa masculina, mas muitos homens estão tristes por uma mulher ter morrido. (McFEELY, 2019)

A desigual forma de tratamento entre os personagens é evidenciada novamente, quando os roteiristas alegam que “não era necessariamente honesto com a personagem dar a ela um funeral”. Em contrapartida, sobre possibilidades alternativas para Tony, discorrem:

Não. Porque tivemos a oportunidade de dar a ele a perfeita vida de aposentadoria dentro do filme. Ele teve a vida pela qual ele tanto se esforçou. Ele se casa com a Pepper e tem uma filha. Pensando dessa forma, foi uma boa morte. Não soa como uma tragédia. Parece uma vida heróica, uma vida terminada. (MARKUS, 2019).

No final, Tony Stark conseguiu a vida tanto almejada, com realização profissional e familiar, bem como Steve Rogers, que regressa ao passado para viver com Peggy Carter, seu amor da década de 1940, mas Natasha não. Entretanto, em razão do Universo Cinematográfico da Marvel compor uma transmídia, com diferentes histórias interligadas entre suas produções, os filmes anteriores possibilitaram os espectadores de conhecer e se identificarem com Natasha Romanoff, apesar dos problemas acerca de sua representação. Esta que, conforme explorado, até então se apresenta carregada de objetificação e sexualização, devido ao olhar masculino da direção.


Em contrapartida, na Fase 4, a Viúva Negra recebeu um filme solo sob a visão de uma diretora mulher, Cate Shortland.

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Devido a pandemia causada pelo COVID-19, a data de estreia de Viúva Negra (2021) nos cinemas sofreu diversas alterações, até ser inaugurado em julho de 2021.

Em entrevista exclusiva enviada à Legião dos Heróis, Shortland falou sobre a importância de contar a história da vingadora antes de entrar na equipe conhecida no MCU.

“Natasha é uma personagem fascinante e acho que os fãs queriam saber mais sobre ela. Eles queriam saber quem ela era antes de ser uma vingadora. Ela também sempre foi muito fechada, e não confiava nas pessoas, e queríamos saber de onde isso veio (...) Aprendemos em Viúva Negra que Natasha fazia parte de uma família de espiões. Ela estava na Rússia e foi levada para os EUA para interpretar um papel. Então essa personagem sempre precisou fingir. E em Viúva Negra nós desconstruimos isso e vemos quem é Natasha quando não está fingindo e está vulnerável”.(SHORTLAND, 2021)

Em detrimento desta direção feminina, houve uma abordagem distinta do que visto anteriormente, uma vez que a Viúva Negra não foi sexualizada, ocorreram cenas de ação realistas com cabelo amarrado e uniforme mais solto e confortável.

Com cenas intrigantes e diálogos afiados, a narrativa da produção cinematográfica é centralizada na história da heroína protagonizada por Scarlett Johansson.


Em sua primeira aparição, como visto antes, em Homem de Ferro 2 (2009), Natasha apresentava uma imagem hiperssexualizada, a qual se perpetuou no decorrer das três fases do Universo Cinematográfico da Marvel. Em seu filme solo, este aspecto se torna motivo de piada durante a produção: “Você só faz pose. A forma como você se move não é real. Pra quem você está fazendo isso?” satiriza Yelena Belova – interpretada pela Florence Pugh.

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Esta, após os eventos de Guerra Civil, recruta sua irmã adotiva, Natasha, para uma missão que visa salvar as demais meninas presas no treinamento da Sala Vermelha.

A dinâmica entre ambos as personagens é o ponto máximo em que se gira toda a trama do filme.

“Natasha e Yelena se reencontram no filme e descobrimos que elas não se viam desde a infância. Há uma emoção e muita dor, porque elas se separaram no passado. Então as duas têm problemas de confiança e a jornada do filme é realmente sobre esse relacionamento e sobre essas duas jovens unindo forças e se tornando essa equipe poderosa”. (SHORTLAND, 2021).

Além de Yelena, o filme introduz Melina – interpretada por Rachel Weisz – e Alexei, – interpretado por David Harbour – o Guardião Vermelho, como os pais adotivos de Natasha. Logo nas primeiras cenas, fica em evidência que o núcleo familiar pertence a um sistema maior, e a diretora afirma ser este um aspecto significativo na relação entre Natasha e Yelena.


Rachel Weisz, por meio de uma entrevista cedida a Disney, enuncia sobre a Viúva Negra representada na produção cinematográfica: “Natasha é formidável, vulnerável e emotiva. Ela tem necessidades emocionais ao mesmo tempo em que é uma assassina, espiã e especialista em artes marcial altamente treinada”.


Alexei e Melina são representados como personagens imperfeitos pertencentes ao sistema da Sala Vermelha e União Soviética, do qual não se orgulham e ainda assim, devem responder às filhas: “por que se envolveram neste sistema corrupto?” (SHORTLAND, 2021).

Melina, uma espiã e cientista de Dreykov – quem comanda a Sala Vermelha e o Programa das Viúva Negras – por anos, é uma personagem complexa que se sente presa ao sistema, porém, ao mesmo tempo que reconhece que aquelas paredes são tudo que ela conhece, em um conflito interno ilustrado por meio do questionamento “por que um camundongo que nasce em uma gaiola corre naquela roda?” realizado por Melina em um diálogo com Natasha.


Segundo a análise da atriz Rachel Weiz: “Eu acho que uma vez que ela descobriu a felicidade e o amor, ela não queria mais voltar a ser espiã, mas precisava. Acredito que o coração dela endureceu depois disso. Ela se tornou dura e talvez um pouco azeda”.


Este discurso entra em concordância com o roteiro do mesmo diálogo comovente entre as personagens, uma vez que após Melina expressar a metáfora de um animal nascido em uma jaula e desprovido de escolhas, questiona à Natasha como ela manteve seu coração, e a mesma responde:


“A dor nos torna mais forte. Não o que você nos dizia? O que você me ensinou me manteve viva”.

A frase se faz recorrente ao longo do filme, visto que permaneceu com Romanoff mesmo após ser separada de seus pais adotivos e Yelena quando a missão que estavam desempenhando chega ao fim. Este momento, logo no início do filme quando mostra sua infância em Ohio com a atmosfera familiar – ainda que falsa – em que a personagem se encontra, fundamenta a Natasha e da inicio aos recortes de cenas dos créditos iniciais do filme.



Com o clássico do Nirvana “Smells Like Teen Spirit” de fundo, a sequência de abertura mostra com cores escuras e dramáticas os traumas vivenciados por Natasha e Yelena na Sala Vermelha ainda crianças, logo após serem separadas, se desenrolando à medida que descreve os horrores do treinamento e lavagem cerebral das personagens.


Conforme enuncia Kevin Feige em uma coletiva de imprensa:


“A ideia veio quase no fim da produção, quando estávamos rodando material adicional, e queríamos mostrar o momento em que Natasha e Yelena foram separadas, e acompanhar o que aconteceu quando o avião decolou e o Guardião Vermelho as mandou de volta com o general Dreykov. Acabou sendo uma das nossas raras aberturas, e realmente ajudou a dar o tom e o contexto do passado de Natasha.”. (FEIGE, 2021).

Segundo Hall (2003, p. 354), “a mensagem é uma estrutura complexa de significados que não é tão simples como se pensa”. Em detrimento disto, o conjunto imagético dos créditos iniciais apresenta uma complexa estrutura do contexto da Guerra Fria, incluindo políticos do mundo real, como Vladimir Putin e Bill Clinton. É um retrata político realizado de maneira explícita, que Kevin Feige e Cate Shortlando sentiram que deveria ser feito para mergulhar os espectadores nos impactos da Sala Vermelha e das Viúva Negras no âmbito político e social do universo cinematográfico.


Após a abertura, ocorre um salto no tempo de 20 anos, no contexto após Guerra Civil, como mencionado previamente, em que Natasha se encontra como fugitiva em função das ações realizadas neste filme. A partir de seu reencontro com Yelena, a personagem descobre que a Sala Vermelha continua ativa e sob o comando de Dreykov – interpretado por Ray Winstone – e que, com o escape de Natasha, ele fez com que as novas agentes fossem incapazes de fugir, às subjugando a serem quimicamente manipuladas para seguirem seus comandos e desprovidas de liberdade e escolhas próprias.


Com isso, as personagens vão em busca de reunir sua família, a começar por Alexei – Guardião Vermelho – que se encontra em uma prisão máxima.

Em diversos aspectos a produção cinematográfica Viúva Negra (2021) destoa de outros filmes apresentados no MCU, principalmente devido a dramaticidade que se entrelaça à história da protagonista, e faz referência a suas representações prévias como a pose da Viúva Negra discorrida na reportagem anteriormente, porém a mais importante, é a que ocorre após Natasha e Yelena resgatarem Alexei, em que ele, exasperado, pergunta à Yelena “Por que a agressão? Você está naqueles dias do mês?” após ela ter dado um soco no rosto dele, e a mesma responde “Eu fico menstruada, idiota. Não tenho útero” e a Natasha completa “ou ovários”.


“É o que acontece quando a Sala Vermelha faz uma histerectomia involuntária” expressa Yelena, e relata graficamente sobre o procedimento invasivo de esterilização com humor ácido e ironia.


Se em Era de Ultron (2015), o diretor centralizou este trauma envolta de Natasha e transmitiu a mensagem de ela apresenta valor menor do que as demais mulheres, por ser incapaz de ter filhos biologicamente com um homem, indo contra a visão da direção masculina do filme devido a isto, em Viúva Negra (2021), a direção feminina se opõem a este acontecimento e apresenta uma representação de uma Natasha que ainda sofre com isto, porém consciente de que ser estéril não a torna menos mulher, de uma maneira dinâmica e sútil mas que faz com que a mensagem seja vista e destacada.


Se Kevin Feige já havia dito que Viúva Negra era importante para o curso da Fase 4 do Universo Cinematográfico da Marvel, ao chegar nas cenas pós-créditos isso se dá de modo inquestionável, uma vez que faz conexão com o personagem Gavião Arqueiro. A partir disto, o filme deixa claro que Yelena seguirá com o legado de Natasha dentro do universo cinematográfico.

Segundo a diretora, Scarlett – atriz que interpreta Natasha Romanoff – se refere ao filme como uma maneira de entregar o bastão para a irmã – seja metaforicamente ou não, visto que uma das armas da Viúva Negra é um bastão de eletrochoque. Ainda assim, se Natasha representa o fim da “Era Vingadores”, Yelena Belova marca o início da Fase 4 nos cinemas.


A produção cinematográfica deixa em evidência o quão essencial é a inclusão de indivíduos historicamente marginalizados dentro da indústria, contando histórias, uma vez que apresentam maior autenticidade e variedade de personagens e histórias, além de propor uma maior identificação para os espectadores e desafiar a visão de quem tem contados estas histórias desde sempre (COCCA, 2016).


Em detrimento disto, conforme a presente reportagem procurou explorar e discorrer, o Universo Cinematográfico da Marvel buscou inserir em suas narrativas temas sociais e identitários para incluir seus consumidores pertencentes às minorias – como também atrair novos – ainda que de forma estereotipada e medíocre como visto na série Loki (2021), em que a representação do personagem transmite a perspectiva da diversidade ter sido utilizada como produto de marketing ao invés de política afirmativa, uma vez que está inserida nas margens do roteiro. No entanto, mesmo que mínimo, houve certo avanço se for considerar a sub-representação presente no decorrer do MCU. A diretora da série, Kate Herron, reconhece que a afirmação de Loki quanto a sua bissexualidade foi dada em pequenos passos, mas que ainda assim, deu abertura para representações futuras, e porventura, na segunda temporada seja possível ver uma melhor representação acerda da fluidez de gênero e sexualidade do personagem.


Ou, em continuidade, representações realizadas de maneira digna e necessária, como ocorreu em Viúva Negra (2021) devido à visão divergente de direção que o longa-metragem apresenta bem como a importância simbólica da presença feminina tanto nos bastidores quanto em frente às telas.


Em conclusão, nos moldes da indústria cultura se percebe o modo que o MCU faz uso da diversidade como produto que nunca satisfaz de forma plena o que constantemente busca prometer, no entanto, se levarmos em consideração o caminho percorrido dentro da própria Marvel Entertainment discorrido nesta reportagem, é possível observar que, ainda com falhas e precárias tentativas e erros, ao que tudo indica, com a Fase 4, o Universo Cinematográfico da Marvel abrangerá um novo posicionamento que visa abranger uma maior inclusão e diversidade em suas produções .

REFERÊNCIAS:

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