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Mês do Orgulho e Mercado: entenda o que é pink money, as logísticas de aceitação e vozes políticas

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    Mostra Revista
  • 14 de jul. de 2021
  • 8 min de leitura

Reportagem por: Igor Ribeiro; Nicolas Santos; Rafaela Bauler Theiss

A Revolta de Stonewall foi um marco significativo na luta e garantia de direitos LGBTQIA+ nos Estados Unidos, em 28 de junho 1969, e seu esplendor enquanto movimento ativista fervilhou demais núcleos da comunidade LGBTQIA+ pelo globo, trazendo a luta pela igualdade para a vanguarda. A própria criação de tipificações como a palavra “gay” trouxe noções de humanidade e empatia, ao decorrer das décadas, por parte das pessoas que não faziam parte desta parcela da sociedade, e ajudou os movimentos ativistas a fundarem uma base de desenvolvimento, ainda que muito precária devido aos estereótipos e padrões sociais estabelecidos e criados pela heteronorma.

O movimento, que no Brasil teve um de seus picos em 28 de junho de 1997, na 1ª Parada LGBTQIA+, na época dita “Parada do Orgulho Gay”, realizada em São Paulo. Momento, este, que configurou uma luta, entre muitas outras coisas, pelo reconhecimento perante iguais na sociedade, na tentativa de assegurar seus direitos enquanto cidadãos e cidadãs brasileiros, e de revidar a discriminação e homofobia que recebiam, e ainda recebem.



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Registro da 1ª Parada do Orgulho LGBTI+ na cidade de São Paulo, em 1997 Arquivo Pessoal/Nelson Marias – 28. jun.1997

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Registro da 1ª Parada do Orgulho LGBTI+ na cidade de São Paulo, em 1997 Arquivo Pessoal/Nelson Marias – 28. jun.1997



As décadas mudam. Pautas sociais dentro dos movimentos vem e vão, adaptando-se aos momentos que nos encontramos, e conseguindo resultados através da perseverança e do trabalho gradual de mudança.

Mas o Brasil não é o país da aceitação e da diversidade? Não é bem assim. Como o próprio escritor e romancista João Silvério Trevisan coloca em seu livro “Devassos no Paraíso: a homossexualidade no Brasil, da Colônia até a atualidade”, segundo pesquisa realizada pelo Datafolha em 1998, “54% das pessoas entrevistadas se diziam contra a legalização da união homossexual e 62% se opunham à adoção de crianças por casais homossexuais.” – situação que acabou mudando por decisões do Supremo Tribunal Federal; vide a criminalização da homofobia e a garantia dos direitos de união e adoção por casais LGBTQIA+’s, mas ainda dentro de uma sociedade preconceituosa e discriminatória.

Afinal, como surge essa maior “tolerância” com a comunidade LGBTQIA+? Essa pergunta podemos responder pensando na letra de “Magenta Ca$h”, música da drag queen e artista Gloria Groove em parceria com a rapper Monna Brutal. As artistas entoam o seguinte verso: “Te gustan las maletas rositas, papi?”. A estrofe faz referência ao que conhecemos hoje como conceito de Pink Money.

A tolerância surge a partir do momento em que o mercado vê esta parcela LGBTQIA+ da sociedade enquanto um mercado de nicho detentor de capital que possui necessidades e desejos de consumo que podem ser explorados.



O dinheiro faz o mercado circular e se mover, muitas vezes movendo marcas de moda e empresas grandes à redirecionar seus esforços criativos e de campanhas publicitárias para esse público consumidor, principalmente no mês de Junho – conhecido mundialmente como Mês do Orgulho LGBTQIA +. Essa falsa representatividade, puro interesse de apoiar a causa e o ativismo social da comunidade em prol de lucro nos bolsos de empresários, não passa despercebida e é escancarada pelos próprios membros da comunidade. Colocar um casal gay ou lésbico na sua campanha, ou lançar roupas com arco-íris em junho, e pregar sua marca como apoiadora da causa não é mais viável. Olhos atentos apontam facilmente essa hipocrisia.

Um claro exemplo da prática de pink money, ainda que fictício, é a relação dos protagonistas do filme “Kinky Boots”, Charlie Price, herdeiro de uma fábrica de sapatos que está beirando a falência e a Drag Queen Simon/Lola. Desesperado por um novo nicho de consumidores, após não saber se adaptar às mudanças de mercado e concorrência, Charlie aposta em sapatos para Drag Queens, um ambiente pouco explorado ou quase inexistente. O que chama bastante atenção no filme, é a forma que Charlie muitas vezes hostiliza Lola por sua profissão e sua sexualidade, e traz à tona um questionamento pertinente: será que ele estava realmente interessado em ajudar esses artistas a terem mais conforto nas suas apresentações ou apenas viu uma oportunidade de lucrar em cima dessa minoria?


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Imagem de divulgação do filme Kinky Boots (2005), dirigido por Julian Jarrold.


Em relação à essas estratégias de marketing para alavancar vendas, podemos trazer à tona grandes conglomerados de vendas nacionais como a Riachuelo. Todo ano a grande varejista traz em junho coleções com estampas de arco-íris e campanhas com modelos que emulam casais homoafetivos, dando a noção de aceitação, apoio e diversidade e ganhando mídia em renomados veículos de moda como a revista Vogue. À exemplo da matéria “18 marcas que estão celebrando o mês do orgulho LGBTQIA+ com lançamentos exclusivos” presente no site da Vogue, no qual cita a própria Riachuelo.


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Imagem da campanha Pride, da Riachuelo. Imagem retirada da página inicial de seu site de e-commerce.


Será que esta empresa é tão receptiva assim? Bem, o ex-presidente do conglomerado que possui as lojas de departamento, Flávio Rocha, em 2018 (período em que ainda ocupava o cargo), mostrou-se em relação paralela com partidos que compunham as bancadas evangélicas e católicas visando unir esforços para lutar contra as pautas progressistas nas eleições que aconteceram em outubro do dito ano. Flávio posteriormente foi afastado do cargo dada as repercussões online de seus atos, sendo substituído pelo atual presidente Oswaldo Nunes, que trouxe uma bandeira de diversidade. Oswaldo, inclusive, saiu em matéria do UOL em 2019 por empregabilidade de pessoas trans nas lojas de departamento durante seu comando, além de assinar documentos que estabelecem o compromisso com o apoio de ações LGBTQIA +. Agora...será que essas mudanças de comportamento e posicionamento teriam acontecido se a Riachuelo não tivesse sofrido tanta pressão social por sua hipocrisia à época? Será que é necessário que tenha que chegar em junho a cada ano para que se pense na diversidade e inclusão de produtos, campanhas e funcionários? Será que se pode ignorar as causas sociais durante o ano e lucrar em cima delas somente quando oportuno?


Em conversa sobre subcultura e consumo publicada no podcast High Low, Olivia Merquior ao citar uma paródia feita no TikTok sobre o estímulo à compra de Tupperware no mês do orgulho na justificativa de que é uma “empresa amiga dos gays”, ela critica: "São empresas que não tem um laço real com a estrutura [...] Eu acho que esses despautérios têm levado a gente a precisar repensar que tipo de cultura a gente vive, que é uma cultura de rede de passar mensagem de estabelecer fortalecimento de identidade. Identidades múltiplas que cada vez se multiplicam mais, o que é ótimo, essa fragmentação para as pessoas que querem ser e se identificar com aquilo que elas são, mas ao mesmo tempo dentro de um sistema voraz que vende tudo, que mercantiliza tudo e que capitaliza em tudo.”


Na busca por modificar, ou subverter o sistema da moda, necessitamos produzir novas narrativas na tentativa de anular o esvaziamento de discursos, e ensinar a estas empresas formas viáveis de conduzir a temática dentro da indústria. É imprescindível reconhecer que vivemos em complexa cultura contemporânea e notar de que forma subculturas, ativismo e realidades podem deixar de se submeterem a estas marcas e produtos e se elevarem a outro patamar. Há exemplos a serem seguidos, como é o caso das grandes marcas Savage X Fenty, UGG e Balenciaga.


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Esta primeira, é conhecida por abraçar a diversidade de todas as formas, tamanhos, origens e orientações e nunca deixou de lado a comunidade LGBTQIA+, para este ano de 2021, através de suas vendas, pretendem colaborar com alguns projetos e organizações que auxiliam de alguma forma a diversidade (Planejam uma doação mínima de $250.000).


Fotografia publicado no dia 03 de junho de 2021 no Instagram da marca SavageXFenty.




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Seguindo discursos verdadeiros e com esforços condizentes ao longo do ano, a marca UGG, para 2021, comemora seu quinto baile virtual de celebração da inclusão LGBTQIA+, e com a finalidade contribuir ainda mais, a marca doou o valor de $125,000 dólares para o projeto GLAAD (uma organização a fim de monitorar o retratamento da mídia diante da comunidade).


Lil Nas X fotografa para o baile virtual da UGG.


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E por último, a lendária marca Balenciaga aproveitou este momento de celebração e consciência para comercializar uma coleção cápsula com moletons e bandeiras, sendo 15% das vendas da coleção Pride 2021 doadas ao projeto The Trevor (uma organização que concede apoio e previne o suicídio de jovens da comunidade LGBTQIA+).


Coleção cápsula no Pre-Fall 2021 da Balenciaga.


Além de apoiar e usar de referência estas grandes marcas, devemos ir além e dar importância e voz a criadores independentes que pertencem a comunidade LGBTQIA+. Ao realizarmos estas ações de apoio, fortalecemos os integrantes da comunidade, bem como alinhamos nosso consumo aos nossos ideais políticos de igualdade e respeito. A luta contra as discriminações e preconceitos também atravessa o apoio e reconhecimento do trabalho daqueles que compõem essa parcela da sociedade. No caso do território nacional, temos como algumas indicações as seguintes linhas:


CA.CE.TE: A Cacete Company é uma marca independente de Belo Horizonte, criada por Raphael Ribeiro e Tiago Carvalho em 2015. Uma das diretrizes dos designers é confrontar paradigmas atuais através da marca, subvertendo comportamentos, significados e regras. Sendo uma marca de underwear, utilizam de uma linguagem e campanhas focadas na potencialidade do corpo como instrumento de subversão social e discursos políticos.


DENDEZEIRO: Lançada em 2019 por Hisan Silva e Pedro Batalha, a marca de Salvador instrumentaliza suas coleções de forma a criar narrativas nas passarelas. Dendezeiro representa muito bem a energia de troca e transformação que emana de seus criadores, que utilizavam de seu espaço não apenas para ocupar essa ambiência, como também para movimentar a cena criativa do Nordeste.

Os designers já apresentaram coleções em eventos como a Casa de Criadores, além de fazerem parte da equipe do FFW. São considerados um dos destaques e talentos emergentes da nova geração de artistas e criadores brasileiros por inúmeros veículos de moda nacionais.;

SODRO: Criado em outubro de 2018, por Sofia Calliari, a SODRO surgiu como um brechó no Instagram. A empresa então englobou mais sociais, com a entrada de Carolina Alves e Lucas Paiva na empresa, impulsionando, assim, o crescimento da marca. Atualmente situada em Florianópolis, a marca se autointitula enquanto uma “marca para descontraídos e desconstruídos'', que acredita em “uma moda politizada, mas bem-humorada; divertida, mas conceitual; podre de chique, mas acessível.”





Referências:


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GEORGIA MEGAN (Eua). Graduate Fashion Foundation. FOUR REVOLUTIONARY FASHION DESIGNERS FROM THE LGBTQ+ COMMUNITY. 2018. Disponível em: https://www.graduatefashionfoundation.com/news/four-revolutionary-fashion-designers-from-the-lgbtq-community. Acesso em: 26 jun. 2021.


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JULIA GUERRA (Eua). Instyle. 11 Brands that Support the LGBTQ+ Community All Year Round. 2021. Disponível em: https://www.instyle.com/fashion/clothing/brands-supporting-lgbtq. Acesso em: 26 jun. 2021.


MARIE COURTOIS (França). Vogue França. Pride Month: 13 brands that are supporting the LGBTQ+ community. 2021. Disponível em: https://www.vogue.fr/fashion/article/pride-month-fashion-brands-supporting-lgbt-community. Acesso em: 26 jun. 2021.


NILAM MUKHERJEE (New York). Gotham. 10 Luxury Brands Releasing Capsules for Pride Month 2021. 2021. Disponível em: https://gothammag.com/luxury-fashion-pride-month-capsule-collection. Acesso em: 24 jun. 2021.


SAGRA DE MANUELES (Spain). Highxtar. BALENCIAGA GAY PRIDE 2021: CAPSULE NOW ON SALE. 2021. Disponível em: https://highxtar.com/balenciaga-gay-pride-2021-capsule-now-on-sale/?lang=en. Acesso em: 26 jun. 2021.


SARA RADIN (Eua). Teen Vogue. 10 Queer-Led Fashion Brands to Support This Pride Month And All Year Round. 2019. Disponível em: https://www.teenvogue.com/story/10-queer-led-fashion-brands. Acesso em: 26 jun. 2021.


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